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Críticas

Cineplayers

Mais inteligente e complexo do que poderia se supor.

7,5

Spike Jonze é um dos grandes diretores norte-americanos de sua geração. Suas obras anteriores, Quero Ser John Malkovich e Adaptação, são provas do talento do cineasta em conduzir histórias que exigem grande poder imaginativo e que se tornam complexas justamente pelo estouro de criatividade e pela inteligência que marcam as narrativas. Jonze mergulha dessa vez na mente extremamente fértil de um garoto rebelde e problemático que encontra no mundo dos monstros um refúgio para seus medos e anseios de criança. Adaptado a partir do best seller infantil de mesmo nome, Onde Vivem os Monstros está longe de ser uma fantasia animadora sobre os pensamentos criativos de uma criança,  mas se desenvolve como um estudo interessante sobre relações sociais, poder e maturidade.

Desde o início tumultuado, no qual a câmera trêmula segue a correria de Max (Max Records) brincando pela casa, até o crédito inicial que traz o nome do filme estampado na tela, Onde Vivem os Monstros já desenha o universo turbulento no qual o espectador mergulhará. Jonze constrói de maneira eficiente e sem perder tempo o sentimento de desamparo que acompanha o garoto. Suas brincadeiras limitam-se ao interior de sua casa, o que inevitavelmente o sufoca. Quando consegue construir um porto seguro que o liberta da dependência de seu lar, Max vê seu mundo destruído pelos amigos de sua irmã mais velha. A destruição de seu refúgio, o iglu, mostra, por meio de seu choro, como ele se sente deslocado daquela realidade e o quanto se sente preterido em um mundo no qual ele é apenas coadjuvante de sua própria história.

A revolta de Max com a falta de estrutura de sua família e com o fato de não ser o centro das atenções, sentimento comum às crianças, leva-o a uma jornada pelo mundo imaginário dos monstros, onde, logo de cara, surge como um líder. O contato com as criaturas transcorre com facilidade e o menino, dentro de sua própria imaginação, é coroado rei daquele universo. A partir desse ponto o longa estabelece um corte claro: as características de filme-família ficam para trás e a história debruça-se sobre a complexidade dos relacionamentos, a inveja, as escolhas e sobre como é complicado ser justo e verdadeiro nas decisões cotidianas.

Todo o ambiente que cerca Onde Vivem os Monstros é permeado de beleza visual, ampliada ainda mais pela percepção da tristeza interior de cada uma daquelas criaturas. A escolha de não criar nenhum dos monstros em computador deixou a história mais humana, mostrando que cada um daqueles bichos pode existir dentro de cada pessoa, já que todos eles são representações de sentimentos como ternura, raiva, inveja, entre outros. Impressiona como pessoas trajando fantasias podem parecer tão verdadeiras.

O reinado de Max em seu mundo particular consegue captar a essência da infância, época que mescla a impureza com a insegurança e a descoberta de sentimentos complexos que permearão a vida. A ilha dos monstros é o lugar no qual ele pode tudo, mas percebe, ao mesmo tempo, que esse poder tem um preço e que é impossível contemplar a todos com suas escolhas. Sua liberdade irrestrita ao ser coroado rei de sua própria vida o leva a uma jornada de autoconhecimento, na qual ele pode perceber que a infância é uma fase mais complexa do que costumeiramente as pessoas que já a deixaram costumam julgar.

No filme de Jonze, ser criança não é ser uma pessoa inocente e sem profundidade que espera apenas a fase adulta chegar em meio a diversões descompromissadas. Na realidade, é um período no qual a personalidade se forma e o processo educacional é fundamental para as crianças já que, por meio desse processo, ensina-se o certo e o errado e, ao mesmo tempo, doma-se o lado animal que existe dentro de cada pessoa. Onde Vivem os Monstros conta um pouco daquilo que todos já foram um dia e, para isso, deixa a imaginação rolar solta, como toda boa criança.

Comentários (1)

Caroline Pilz Pinnow | segunda-feira, 29 de Agosto de 2011 - 13:10

Adorei sua avaliação do filme... Este é um filme raro, capaz de nos transportar para dentro de nossa própria essência... Os monstros vivem aqui, dentro de nós, de todos nós...saber como lidar com cada um deles é nossa grande dádiva nesta vida... Parabéns pelo trabalho!!!

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