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Críticas

Cineplayers

A visão do homem comum sobre a guerrilha.

7,0

Mentiras, traição, conflitos familiares, vergonha, perda de dignidade, infernos humanos: o diretor franco-espanhol Miguel Cortouis, desde o seu primeiro longa  El Lobo (idem, 2004), insiste de forma recorrente em sua particular temática sobre seus personagens, pessoas simples que se veem dentro de situações limites. Se no filme de oito anos atrás um simples operário via-se obrigado por razões monetárias a se tornar um agente infiltrado da ditadura franquista no grupo terrorista ETA e acabava se tornando encurralado pelos dois lados, o caso não é muito diferente em Operação E (Operación E, 2012), que toma como cenário a guerrilha entre o governo colombiano e o grupo de guerrilha Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, a FARC, como ficou conhecida no cenário internacional.

A obra é inspirada em fatos reais – o seqüestro da ex-ministra Consuel González, da advogada fiscal Clara Rojas e de seu pequeno filho Emmanuel, que durou de 2002 e 2006. Porém, vemos a situação toda pelo ponto de vista de José Crisanto, um pobre camponês que vive com sua mulher, seu sogro e cinco filhos e que, determinado dia, é designado por um pelotão das FARC a tomar conta do menino seqüestrado. Com a guerra chegando cada vez mais perto de sua casa, Crisanto se vê obrigado a fugir com sua família quando não chegam os medicamentos prometidos para a criança com menos de um ano de vida, que tem um braço quebrado e sofre de malária.

Esse thriller político pé-rapado – sobre um homem que não tem nada e, ao longo da história, passará a ter medo mais ainda – é arquitetado narrativamente de forma classicista, com uma tensão cada vez mais crescente e com o medo pelo pior sempre espreitando à esquina,mesmo quando o filme parece se encaminhar para uma conclusão. Não tarda muito para que Crisanto, que tenta persistir bravamente em cuidar da família, nem que para isso tenha que viver como um rato, mentindo e fugindo, acabe sendo encurralado pelos dois lados, tanto pelas FARC, que querem o menino de volta para que possam negociar o seqüestro, quanto pelo próprio governo colombiano, que considera o camponês o seqüestrador da criança ligado as FARC.

O roteiro permite que nos identifiquemos facilmente com o protagonista, que, no final das contas, não está do lado nem das Forças Revolucionárias nem do Estado – está, apenas, do lado da sua família, que acaba, com o passar do tempo, cansando de fugir e perdendo a confiança nos métodos pouco eficazes e jamais seguros de Crisanto. Com uma linguagem documental, as câmeras sacolejantes e móveis de Courtouis aliadas com a imagem altamente granulada acabam conferindo um tom mais realista ao filme, que combinados com os tipos físicos escolhidos dos atores acaba convencendo.

Dedicado a todas as vítimas da Guerra”, como aponta um letreiro ao final do filme. A obra de Courtouis jamais fica parada e continua avançando. O roteiro não apresenta grandes novidades dramatúrgicas – é um suspense bem escrito o suficiente para segurar a atenção nas quase duas horas do filme. O tema “sozinho contra todos” é sempre interessante, desde os áureos tempos de Alfred Hitchcock – não à toa, todo ano, exemplares e mais exemplares do tema desovam nas locadoras e cinema. Mas nesse caso específico, o bom trabalho feito em mostrar que o homem comum da Colômbia não pode contar com nenhum dos lados para ajudá-lo nas necessidades mais básicas cria uma ponta de interesse que destaca o filme do costumeiro samba de uma nota só do filão.

Claro que nem tudo são flores: com sua narrativa character-driven que praticamente jamais desgruda a camêra de Crisanto, os outros personagens parecem um tanto simples e unidimensionais. Alguns momentos interessantes – as duas primeiras seqüências são de uma ambição estética curiosa, valorizando o diálogo e o trabalho narrativo com sons e a interação dentro/fora do quadro – e a linguagem “modernosa” tanto vista em filmes mais despretensiosos deixa o filme no caminho entre o realismo composto e um cinema de ação simplista.

Mas o saldo é positivo: ignorando certas conveniências e a persistência além do necessário em certos arcos da história que poderiam ser trabalhados com maior economia, deixando o filme até fluir melhor, esta é mais uma prova de que o cinema político, com o seu olhar sempre atento para as questões dos excluídos e marginalizados por sistemas e poderes paralelos centrados unicamente em interesses próprios, ainda mantém sua força magnética. Escolado nesse tipo de cinematografia, Cortouis fez um filme de méritos inegáveis – mas, pela linguagem adaptada e servil, pouco marcante.

* Visto no 14º Festival do Rio

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