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Críticas

Cineplayers

Um avião empacado como metáfora para a atual crise na Espanha.

5,0

Em um voo da ponte aérea entre Madri e Cidade do México, os pilotos descobrem que o avião está apresentando defeitos e decidem rodar sem rumo até pensarem um local que seja um pouco mais seguro arriscar uma aterrissagem de emergência. Enquanto isso, o trio alcoólatra de comissários de bordo – todos muitíssimo gays – entra em desespero e decide realizar um show particular para distrair os passageiros da classe executiva – visto que a econômica se encontra dopada. E é com essa premissa absurda, digna da época de suas comédias espalhafatosas de início de carreira, como Maus Hábitos (Entre tinieblas, 1983), que Pedro Almodóvar e seu novo Os Amantes Passageiros (Los Amantes Pasajeros, 2013) decide revisitar seus primeiros trabalhos, e incluir no tour uma curiosa metáfora sobre a delicada situação atual da Espanha.

Primeiro é interessante analisar brevemente a evolução do cinema dele, que começou com comédias malucas carregadas em exageros estéticos e narrativos, altamente eróticas e entusiastas da cultura gay, e aos poucos foi sendo lapidado com o amadurecimento do cineasta, até atingir o ápice em trabalhos como Tudo Sobre Minha Mãe (Todo sobre mi Madre, 1999) e Fale com Ela (Hable com Ella, 2002). Sua ótica folhetinesca pode transmitir um ar de desequilíbrio, mas no fundo o cineasta sempre foi um sensível observador do ser humano e de suas relações mais íntimas. Agora, depois de se arriscar em filmes ousados como A Pele que Habito (La piel que habito, 2011) e provar que pode ser bom em qualquer terreno que decidir transitar, o diretor parece se sentir confortável em voltar aos exageros do seu início de carreira, desta vez com o olhar muito mais afiado e satírico, não necessariamente sobre o ser humano, mas sobre a situação financeira preocupante da Espanha.

Apesar de personagens homossexuais serem bastante comuns em seus filmes, poucas vezes Almodóvar usou estereótipos, como o da bicha afetada ou o do melhor amigo sincero. Os gays de Almodóvar sempre são muito humanos, muito reais, apesar de muitas vezes estarem contextualizados em histórias absurdas – como vemos em A Lei do Desejo (La ley del deseo, 1987), por exemplo. Por mais que ele adore incentivar a cultura gay por meio de seus cenários, situações e cores, os personagens em si são bastante livres de caracterizações. Por isso é interessante notar que em Os Amantes Passageiros ele opta pela figura tradicional do gay afeminado, dançante, extravagante e performático. Em uma comédia anárquica, musical, rasgada, provocante, o caminho a seguir foi o do puro escracho e chanchada, limitando o trio de comissários de bordo a conduzirem a história por meio de intermináveis piadas de teor erótico, umas muito boas e outras de extremo mau gosto – o que, apesar de fazer todo o sentido dentro da proposta, reduz bastante o alcance da crítica embutida na história. 

E a critica nada mais é do que remontar através desse cenário reduzido os males que andam acometendo a Espanha ultimamente. Um avião que voa, voa e voa sem chegar a lugar nenhum, próximo de uma possível colisão (o futuro imediato da crise), a classe econômica dopada como representação da impotência do cidadão de classe média diante do desdém do Governo aos apelos do povo, e os pilotos que escondem dos passageiros a verdadeira situação, como ataque direto de Almodóvar à política praticamente ditatorial de Mariano Rajoy. Não deixa de ser uma crítica atualíssima, necessária e corajosa, mas muito enfraquecida por um filme não se leva a sério a ponto de transmitir confiança em sua mensagem de revolta.

Por outro lado, Almodóvar continua um diretor que corre na contramão do cinema europeu contemporâneo, cada vez mais minimalista, detalhista, frio, comedido. O cinema dele é justamente o contrário – espalhafatoso, berrante, ousado, sagaz, anárquico, e sem medo de bater de frente com convenções, sem se deixar barrar pela patrulha dos politicamente corretos. Os Amantes Passageiros pode não seu melhor trabalho recente (na verdade, é o seu filme mais fraco desde Kika [idem, 1993]), mas com certeza traz a força de um cinema atualmente único, e ainda carrega consigo um grito de revolta, a favor de um país que depois de quase quatro décadas de democracia, começa a temer novamente diante da sombra de um novo governo ditatorial se impondo. Mas a mensagem de Almodóvar, que dá voz ao seu povo, além de provocativa, é muito clara: we will survive.

Comentários (9)

Rodrigo Torres | quinta-feira, 04 de Julho de 2013 - 10:19

Também gosto de Abraços Partidos. Não taaanto, mas acho um bom filme.

Quanto à crítica, excelente.

Alexandre Baquero Lima | segunda-feira, 15 de Julho de 2013 - 09:29

Abraços Partidos é um bom filme, assim como este, que tem momentos realmente muito bons. Acho que o filme ficaria melhor sem toda aquela sequência fora do avião.

Alexandre Marcello de Figueiredo | segunda-feira, 16 de Setembro de 2013 - 19:29

Até agora é o filme mais fraco que já assisti do Almodóvar. O trio de comissários gays é o melhor do filme.

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