Saltar para o conteúdo

Críticas

Cineplayers

O pensamento do anarquismo e a violência em um filme desencontrado.

6,0
Considerando o movimento de transformação social proposto e a época que o filme busca retratar, a sensação legada quando enxergarmos o início dos créditos finais é que tal obra sofre para atingir um mínimo de relevância contextual e política, dado o relevo histórico desenhado pelos realizadores. O filme é pobre! Bons enquadramentos e o talento dos atores pouco fazem frente à esterilidade do roteiro, que não chega a impelir o espectador com o que deseja passar criticamente. Qual é o foco, então? A ação dos anarquistas ou um romance ocasional entre eles? Em suma, o filme traz um grupo de jovens anarquistas em Paris, lá no finalzinho do século XIX, planejando levantar a bandeira de seu pensamento, até a violência eclodir. Você, leitor, irá por muitas vezes recordar de Os Miseráveis

E o que é ser anarquista? O roteiro em momento algum procura explorar a indagação, mas as atividades do grupo. Talvez nem tenha sido seu interesse fazer-nos compreender o conceito de uma maneira abrangente. E qual seria o interesse? Desenrolar-se sobre um relacionamento em meio às ações de seus membros? Isso explicaria a entrevista inicial que assistimos, quando a personagem da bela Adèle Exarchopoulos, Judith, ratifica: “O amor me fez uma anarquista!”. Então é uma história de amor travestida de drama de época ou de suspense policial. Ou esse amor refere-se a ideologia que ganhou voz nos escuros becos parisienses.

O jovem cineasta francês, Elie Wajeman, dirige o drama. Alguns de seus interesses são claros. Contar um aspecto ideológico que parece lhe ser um interesse particular e explorar os bons atores que tem em mãos. A seu favor, a junção de duas jovens estrelas do país: Exarchopoulos, reconhecidamente colérica no libidinoso Azul é a Cor Mais Quente (La Vie d'Adèle, 2013); e o ótimo Tahar Rahim, em franca ascensão na Europa, que vem trabalhando com importantes nomes. O diretor dá ênfase a dupla, parecendo acreditar que juntos dariam conta de tocar o filme para além da ideologia que os cerca. Alguns planos se concentram nos olhares de Exarchopoulos que embeleza a fotografia e que não reside em cena unicamente por sua feição envolvente. Sua personagem é forte, tem serventia política e filosófica. 

De maneira similar está Rahim com seu Jean, policial de vagas convicções políticas, cuja frieza e indiferença rendeu-lhe um convite para um posto complexo no departamento o qual trabalha: se infiltrar no meio de um grupo de anarquistas que vem ameaçando a elite da capital francesa. Aí a narrativa encontra seu norte, a ligação desse personagem ao grupo e a relação que passa a ter com eles, quando em profunda convivência reconhece o símbolo de suas lutas. A ideologia, para Jean, passa a fazer sentido, especialmente por que se apaixona. A expectativa que reina é quando se dará a descoberta da verdade, o que implicará em decepções morais e românticas. 

A conotação de frieza vislumbrada pelas lentes rigorosas da câmera nunca encontra alguma oposição que lhe sirva de contraste estético simbólico. Se há algo quente, é a relação dos anarquistas e o romance repentino naturalmente instaurado entre a dupla protagonista. Mas até estas parecem impassíveis. Há embates dentro de uma própria vertente. Nesse caso, o roteiro não fundamenta a ideologia de seus personagens, apenas permite que seus diálogos – com algumas frases soltas retiradas da literatura clássica francesa, passando de Mikhail Bakunin a Victor Hugo – orientem as atividades escolhidas pelo grupo. Em suas individualidades, muitas coisas são explanadas.  

A elaboração da época é simples e eficiente em planos bem definidos, não escondendo as limitações na composição artística e construção dos cenários. Quase sempre os planos são fechados, em quadros muito próximos e locações pequenas, como becos, apartamentos ou a fábrica que une alguns operários dispostos a derrubar o sistema. A arte restringe-se as cores frias que o inverno contextual oferece e aos figurinos rudimentares. Em certo ponto as roupas inspiram uma questão sobre como se veste um autêntico militante anarquista e que tal maneira não faz da pessoa uma defensora da causa. Mera alegoria.

O pensamento em torno do anarquismo não é especificado. Fala-se dele, mas não sobre ele. O foco são os anarquistas e não o anarquismo. Interessa mais mostrar seu grupo e centrar no infiltrado. É ele que acompanharemos. Essa concentração é um modelo esquemático e faceiro, afinal, supõe-se o que acontecerá na coligação logo após o policial iniciar seu trabalho. É aí que o filme se perde, ou melhor, que se desencontra. Sua proposta vigora nas relações interpessoais de pessoas diferentes militando às escuras, no entanto não escapa o fato de que nesse meio o que interessa na linha narrativa é a tarefa de Jean, cujos escrúpulos raramente soam dúbios. Seus feitos e comportamentos são previsíveis; e é uma previsibilidade convencional a qual o roteiro aposta por segurança. A superficialidade toma conta, mas está ancorada pelo ideal político provocativo, que somente consegue despertar algum interesse por ressoar – naquelas circunstâncias e somente nelas – revolucionário.  

Comentários (0)

Faça login para comentar.