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Críticas

Cineplayers

Prisão social que liberta.

10,0
Chantal Akerman se mostra cada vez mais uma referência constante e nunca valorizada. Todos conhecemos Jeanne Dielman. Todos assistimos No Home Movie. Mas a obra de Chantal segue sendo redescoberta e ressignificada, e a cada novo passo rumo ao passado, é tão comum constatar o tanto de moderno que existia, enquanto promovedora de discussões e enquanto cineasta. Nesse Os Encontros de Anna sua feliz obsessão pela simetria volta a se fazer presente, que tanto ajudou a construir um ideal imagético para ela e seu espectador, mergulhando em material que mais uma vez reconstroi o "ideal social" de mulher, para o futuro.

Os tais encontros do título vão se mostrando melancolicamente irônicos desde a primeira cena, quando Anna chega a estação de trem sozinha, sem encontrar ninguém. São sempre enquadramentos de profunda quietude e desconforto emocional, que transportam a protagonista a experiências fugidias. Na mise-en-scène, como já posicionado, prevalece a marcação forte ligando os quadros de maneira geométrica, com cada plano enquadrado com margem matematicamente correta. Essa é uma característica forte do cinema de Chantal, mas que em cada obra pode ser lida de uma maneira específica. Aqui vemos essa protagonista com extremo rigor em relação a si mesma, suas atitudes, suas falas, isso é o universo dela que nunca permite o descontrole.

Ao mesmo tempo que todos os encontros são fugazes, isso nunca parte do outro, deixando claro que os cortes são responsabilidades da personagem título. Seus coadjuvantes precisam dela e ela precisa... talvez somente reafirmar sua identidade, ser bem sucedida, não desmoronar diante do imponderável... ou seja, Anna precisa ser o que todos nós queremos e precisamos. Acima de tudo, é um processo de auto descoberta emocional, do qual os personagens de Chantal nunca estão livres. Essa auto análise interior é a chave do que precisa ser remexido para provocar a reviravolta. Anna realiza inúmeras atividades repetidas vezes, reafirmando a importância delas mas também mostrando como nada daquilo a mantém fora da inércia.

Anna vagueia pelo hotel, pela estação e por esses encontros fortuitos. Encontra um exibidor de seus filmes - a personagem é uma diretora de cinema - e com ele se deita. Encontra o pai de seu filho e com ele se deita. Encontra até mesmo sua mãe e também com ela se deita. Chantal não tinha vergonha de provocar e exibir essas camadas de entendimento que poderiam ser encarados como machismo, apropriação de identidade, nada disso hoje em dia é permitido sem cair em desgraça moral. A diretora tem talento de sobra para criar uma narrativa que seja à frente do tempo dela, que possua um teor emocional de fácil conexão, que exiba seu manancial técnico de maneira impressionante. 

Enquanto Aurore Clement desfila seu infinito talento como a protagonista, é Chantal quem consegue mover as peças desse jogo para criar uma obra superior. Seus longas foram moldados em conjunto uníssono, onde se alimentam um do outro e ampliam suas especificidades enquanto autora, tendo servido de inspiração a mestres como Abbas Kiarostami. Mesmo tendo sido rodado e lançado há 40 anos atrás, o Olhar de Cinema desse ano deu uma tacada de mestre ao apostar em cinema tão moderno e ainda assim ser chamado de clássico. 

Filme visto no Olhar de Cinema de Curitiba

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