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Críticas

Cineplayers

A miséria do cinema de ação hollywoodiano ou a vida preguiçosa de Robert De Niro.

3,0

Deve ser difícil para a geração mais nova - ou, pelo menos, aquela não muito interessada na história do cinema - entender a grandeza de um ator como Robert De Niro. Afinal, nos últimos dez ou vinte anos, é possível contar nos dedos as atuações realmente inspiradas de um dos maiores intérpretes da história do cinema, bem como os filmes dignos de nota deste seu currículo recente. Talvez por cansaço, talvez por uma desilusão diante da indústria, De Niro (assim como seu contemporâneo Al Pacino) tem emprestado seu nome a produções de qualidade duvidosa, muitas das quais jamais teriam chamado atenção não fosse a sua grife, e criado personagens quase no piloto automático, sem nem de perto lembrar da dedicação e do talento que assombrou o mundo quando se tornou o jovem Vito Corleone de O Poderoso Chefão - Parte II (Godfather - Part II, 1974), o perturbado Travis Bickle de Taxi Driver (idem, 1976) ou o angustiado Jake LaMotta de Touro Indomável (Raging Bull, 1980).

Por essa razão, mesmo com uma filmografia obscura nestes últimos anos, é quase impossível entender por que De Niro aceita participar de filmes como este Os Especialistas (Killer Elite, 2011). Não apenas se trata de uma produção de ação mais do que genérica, como Hollywood faz às centenas todos os anos, como também é comandada por um diretor estreante, um roteirista novato e - de quebra - ele passa boa parte da trama fora da tela. Aliás, chamar Os Especialistas de produção genérica talvez seja um belo elogio ao filme: de uma obra com essa definição, espera-se um mínimo de coerência para que a plateia possa acompanhar o que está acontecendo, mesmo que a história seja incapaz de despertar qualquer emoção e os personagens falhem em gerar algum tipo de simpatia. Os Especialistas consegue a proeza de falhar em todos estes aspectos.

Dirigido por Gary McKendry (também autor do roteiro ao lado de Matt Sherring), e supostamente baseado em uma história real, o filme até inicia de forma eficiente, em uma sequência de ação bem conduzida, que consegue transmitir um certo grau de realismo - ainda que resvale desde já em um lugar-comum, ao levar o assassino a uma crise moral simplesmente por enxergar uma criança no lugar de seu último trabalho. A partir daí, é ladeira abaixo. Logos nos primeiros minutos em que tenta expor uma história, o filme já demonstra a falta de talento - ou talvez de experiência - das pessoas que estão no comando. A narrativa de Os Especialistas é apressada, truncada e, na maioria das vezes, sem o menor sentido, transformando a obra em nada mais do que uma colagem de cenas aleatórias, e não uma jornada dramática ou emocional de determinados personagens.

Assim, a plateia é apresentada a Danny, mercenário que é chamado de volta da aposentadoria (originalidade na veia, hein?) quando seu mentor é feito refém por um sheik em busca de vingança contra os assassinos de seus filhos. Como o veterano Hunter ficou em poder do milionário árabe ou por que razão Danny foi convocado para salvá-lo jamais fica claro para o espectador, não se sabe se devido ao roteiro ou simplesmente à péssima explanação da história comandada por McKendry. Este problema, por sinal, se repete durante toda a produção: as situações da trama simplesmente se sucedem sem qualquer base, de forma rápida e fácil demais, como se oferecer alguma explicação à plateia fosse desnecessário. Não há, em Os Especialistas, uma sequência lógica de eventos, que leve do ponto A ao ponto B: as coisas acontecem e ponto final. Seja a forma como descobrem os nomes dos alvos, seja a maneira como o protagonista entra em um hospital para roubar medicamentos, tudo ocorre através de atalhos, em uma preguiça absurda do roteirista e do diretor.

Como se não bastasse, os próprios personagens parecem desprovidos de massa cinzenta. Um dos elementos mais fascinantes de acompanhar em thrillers bem conduzidos é a inteligência dos protagonistas ao lidar com situações de risco ou com as próprias investigações, utilizando o cérebro para ficar sempre um passo à frente do antagonista – como ocorre na série Bourne, por exemplo. Os Especialistas, pelo contrário, parece povoado por pessoas com QI muito abaixo da média, uma vez que somente tomam atitudes de brilhantismo, digamos, duvidoso. Se assistir os vilões sequestrarem um dos mocinhos sem ao menos pensar em amarrá-lo, dando assim chance para ele fugir, já é ridículo, o que dizer de um filme no qual o próprio protagonista – supostamente um assassino de elite – parece incapaz de realizar seu próprio trabalho, fazendo uma verdadeira bagunça quando deveria ser discreto? Aliás, não há qualquer sutileza ou perspicácia em Danny: sua primeira resposta para tudo é sair na porrada, como mostra a cena na qual tenta fugir com Hunter do cativeiro.

Até aí, tudo bem. Filmes com roteiro sem inteligência existem aos montes. Mas é inaceitável quando um cineasta e um roteirista passam a tratar a própria plateia como seres acéfalos, e é exatamente isso o que McKendry e Sherring fazem em Os Especialistas. Algumas cenas são tão absurdas que chegam a ser risíveis: em determinado momento, por exemplo, Danny espanca dois homens armados enquanto está amarrado em uma cadeira. O problema não é aí; essa parte da cena é até divertida e bem realizada. O inaceitável vem depois, quando o personagem pula pela janela amarrado em uma cadeira com as mãos nas costas; após a queda, ele milagrosamente surge sem a cadeira e com as mãos soltas. Em outro momento, o Spikey de Clive Owen escapa de carro, deixando Danny e Hunter muito para trás em outro veículo. Eis que, novamente de forma mágica, logo na próxima tomada os dois carros aparecem lado a lado. Problema de continuidade? Direção? Roteiro? Seja qual for a explicação, são graves falhas que ocorrem ao longo de todo o filme, exemplificando os problemas narrativos de Os Especialistas.

Para piorar, o filme ainda se mostra confuso ao apresentar personagens que a plateia mal consegue descobrir quem são ou qual a sua verdadeira função (a história dos Featherman é ridícula), ao mesmo tempo em que abusa de lugares-comuns e utiliza recursos que só dão certo quando trabalhados com talento, o que não ocorre aqui. É o caso, por exemplo, dos flashbacks envolvendo o interesse romântico do protagonista. Inseridos com o objetivo de oferecer uma base emocional ao personagem, tais momentos apenas prejudicam a fluidez da narrativa, uma vez que sempre soam artificiais. Na verdade, a presença deste interesse feminino para Danny se revela ainda mais equivocada quando o espectador percebe que ela surge unicamente para ser o motivo da redenção do protagonista, mas, como o dilema passado por ele jamais se torna crível, a garota se revela mais um elemento de Os Especialistas que jamais estabelece uma ligação emocional com o espectador.

Assim, diante de uma narrativa tão problemática, era de se esperar que ao menos o elenco conseguisse tornar a experiência toda um pouco mais agradável – o que até acontece, mas em um grau muito pequeno. Jason Statham, por exemplo, é um cara bacana e sempre possui boa presença em cena, mas nada em Danny o difere de seus demais personagens no cinema. Enquanto isso, Clive Owen parece simplesmente deslocado no filme, exibindo um bigodinho canalha que deve garantir algumas risadas da plateia. E Robert De Niro? Ah, De Niro. O veterano ator já alcançou um status no qual, mesmo com um péssimo material e interpretando sem o menor esforço, ele ainda consegue ser minimamente interessante. Aliás, o melhor que Os Especialistas tem a oferecer é uma cena perto do final quando De Niro parte para a porrada, enfrentando mano a mano um capanga e salvando a mocinha de um dos vilões com um tiro certeiro (uma das poucas sequências do filme com algum grau de criatividade).
 
Prejudicado ainda por cenas de ação mal construídas, nas quais é quase impossível acompanhar o que está acontecendo, Os Especialistas é o tipo de filme que ilustra o que existe de pior no cinema americano: produções sem qualquer sinal de inteligência e que, para piorar, ainda tratam o próprio espectador como seres sem cérebro. E é uma pena ver alguém como Robert De Niro em um lixo desses e atuando mais uma vez no piloto automático. Sorte dele que a história está ao seu favor, pois o presente o condena.

Comentários (10)

Thiago de Andrade | terça-feira, 06 de Dezembro de 2011 - 19:02

Só eu que não achou um "verdadeiro desastre"? 🙄

Danilo Rocha | terça-feira, 06 de Dezembro de 2011 - 22:44

Creio q para o bem de todos e que se evite repetição em críticas sobre absurdos de filmes, os mesmos deveriam vir com alerta prévio no início do vídeo. Mais ou menos assim: "este filme contem absurdos, se não está afim de comprar esta mentira, dirija-se à bilheteria e exija seu dinheiro de volta".

Adriano Augusto dos Santos | terça-feira, 25 de Setembro de 2012 - 10:15

Esse é muito bom.
Nenhuma cena de ação (talvez o prologo) é descartavel.

Alexandre Marcello de Figueiredo | quarta-feira, 26 de Fevereiro de 2014 - 18:29

O filme não é tão ruim assim. Têm cenas exageradamente inverossímeis assim como todo filme de ação. Quanto a Robert de Niro, realmente ele está devendo mais um filme de peso à seus fãs.

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