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Críticas

Cineplayers

Em busca do fim.

9,5
"Os Baumann são uma filha tradicional mineira de posses, que fizeram fortuna com fazendas de café e criaram um nome a zelar na área de Santa Rita d'Oeste, no sul de Minas Gerais. Seus herdeiros formavam um grupo de 8 primos que tinham como por hábito passar as férias juntos, unidos e amigos. Em 1992, os primos Baumann partiram para a casa do interior pertencente a seus pais para mais uma temporada de vacância; foi a última vez que isso aconteceu. Desaparecidos sem deixar qualquer vestígio, o grupo de primos nunca mais foi visto e parou o estado através de sua história e das circunstâncias nunca esclarecidas a respeito desse mistério. Fazia parte de sua liturgia filmarem-se em fitas VHS da época, e apenas elas foram achadas na casa então. 25 anos depois, uma jovem recuperará essas fitas para tentar analisar em seus últimos momentos algum sentido para tal evento".

Parece uma sinopse o descrito acima, mas também poderia funcionar como uma reportagem de resgate para um misterioso desaparecimento do passado. Os Jovens Baumann merece esse tratamento não-universalizado para uma das mais fascinantes experiências do Festival de Brasília 2018. A montadora Bruna Carvalho Almeida estreia como diretora com um produto impressionante sob inúmeros aspectos, onde o acerto é generalizado e quase absoluto. Dessas produções frescas que aparecem de tempos em tempos em nossa cinematografia, o filme funciona como um passatempo sem compromisso mas funciona principalmente como retrato de um tempo passado, repleto de reflexos na sociedade de hoje e ainda assim uma produção requintada a partir de uma aparente simplicidade.

A criação de imagens para uma produção em audiovisual é algo cuja potência poucas vezes se assemelha em outras artes. Há de ter um pensamento não apenas crítico por trás do todo, mas também estético e diegetico que consiga conversar com o produto mas também com o tempo que ele está integrado. O trabalho realizado por Anna Santos aqui é nunca menos que monumental e empreende um capítulo fundamental para a impressão da obra. Ao lado da diretora, Anna tinha pra si a complexa tarefa de produzir imagens de VHS para 95% do filme, tornar tudo delicado e fiel, e ainda encontrar uma credibilidade conjunta com a direção de arte, o figurino e a montagem, fazendo tudo soar assustadoramente real. O trabalho estético de Eduardo Azevedo por trás do figurino e cenografia é outro elemento essencial para fazer sentido nas condições adversas que eles tinham e fazendo tudo fascinante.

A montagem de Rafael Nantes e Luis Felipe Labaki é um capítulo a parte no processo de Os Jovens Baumann. Se o filme abrange a criação de material caseiro, a melhor maneira de conseguir a textura ideal para a reprodução do preciosismo de outrora é talvez por trás da montagem mesmo. O tempo em uma filmagem caseira em VHS dos anos 80/90 é muito próprio, e nele se justificam os excessos e os cortes bruscos, caracterizando com perfeição as reproduções daquele tempo. A dupla extremamente jovem de montadores não se intimida pelo potencial da tarefa e recria um tempo passado de maneira exemplar (que também é conseguido no incrível curta de Juliana Antunes, Plano Controle). Aqui, o material conseguido por Anna e as diretrizes de Bruna fazem a tarefa dos meninos muito mais prazerosa, mas com certeza nada do que foi conseguido nesse filme foi fácil ou rápido. Um trabalho de ourives seria a melhor aproximação.

É um universo todo de muita verdade e sutileza, mesmo as breves passagens contemporâneas contribuem para a explícita análise do todo. Uma grande desarticulação e suspensão do espaço/tempo para falar de apagamento. Através de delicadas inserções do cinema de gênero, Bruna está debruçada sobre a perda da voz e da estrutura oligárquica do passado, que clamou durante muito tempo um espaço para desfazer conquistas alheias até chegar no seu próprio momento de finitude. A sequência narrada onde o cavalo percebeu primeiro o fim ao seu redor e tentou alertar é primordial para entendermos que toda a luxuosa embalagem concebida com muito talento por Bruna era também ele um atestado sobre a queda de classes dominantes, que tem hoje apenas seu reflexo antigo para continuar um reinado antiquado e opressor mesmo dentro de sua própria esfera.

Filme visto no Festival de Cinema de Brasília

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