Saltar para o conteúdo

Críticas

Cineplayers

Fraco por si só, mas, principalmente, um filme perdido no tempo.

4,0

Sejamos sinceros: o cinema de ação dos anos oitenta não é um grande exemplo de qualidade. Não obstante algumas exceções, como a jornada de John McLane no Nakatomi Plaza em Duro de Matar (Die Hard, 1988), por exemplo, a maioria dos representantes do gênero naquela época era formada por filmes extremamente pobres, que são lembrados, principalmente, em função da nostalgia que despertam no público hoje em torno dos 30 anos. Tão importante quanto, provavelmente, seja perceber que se tratavam de produções adequadas àquele período vazio da cultura norte-americana, quando a valorização material tomou conta e a subversão foi deixada de lado, especialmente em comparação às conquistas sociais das décadas anteriores.

Neste sentido, filmes como Rambo: Programado Para Matar (First Blood, 1982) e suas sequências, Stallone Cobra (Cobra, 1982), Comando para Matar (Commando, 1985), Inferno Vermelho (Red Heat, 1988) e outros se tornaram as meninas dos olhos de ouro dos estúdios, alçando seus protagonistas à altura de astros absolutos. Hoje, a imensa maioria destes atores vive em uma espécie de limbo, sempre tentando um retorno triunfal ao primeiro time – exceção feita a Bruce Willis, que permaneceu por cima. E foi exatamente isso o que Sylvester Stallone tentou fazer em Os Mercenários (The Expendables, 2010), reunindo em um só filme a nata do cinema de ação da década de oitenta com alguns recentes astros do gênero. Infelizmente, o resultado, que poderia ter sido uma verdadeira homenagem àqueles guilty pleasures, ficou muito aquém do que os fãs ansiaram por longos meses.

Dirigido pelo próprio Stallone, que ainda escreveu o roteiro ao lado de David Callahan, Os Mercenários conta a história de Barney Ross e sua turma de assassinos profissionais. Bem-sucedido em missões por contrato em diversas partes do mundo, o grupo de Ross é chamado para eliminar o ditador de uma pequena ilha na América Central, que vem causando terror à população. Chegando lá, eles recebem a ajuda de uma bela mulher (interpretada pela semibrasileira Giselle Itié), ao mesmo tempo em que descobrem que o general está sendo financiado por um grupo norte-americano. Enquanto resolvem suas disputas internas, cabe à equipe de Ross, formada por outros cinco profissionais, livrar a ilha da ameaça, devolvendo liberdade ao povo local.

Quando Stallone anunciou a produção de Os Mercenários, foi difícil para uma grande parcela de marmanjos conter a empolgação. Afinal, o que a reunião de tais nomes prometia era exatamente um retorno aos filmes de ação dos astros musculosos destruindo tudo o que tinham à frente sem o menor remorso, em uma overdose de testosterona que se tornou símbolo dos anos oitenta. De certa forma, Stallone consegue entregar isso: Os Mercenários é repleto de brutamontes explodindo coisas e estraçalhando inimigos pela metade. O problema é que somente empilhar cenas dessa natureza não é mais suficiente para criar um filme capaz de entreter, e Stallone entrega uma obra que oferece muito pouco em termos de diversão, inclusive em seus tiroteios e explosões.

A impressão que fica é a de que o ator/diretor/roteirista acreditou que o impacto dos nomes do elenco seria o bastante para sustentar as quase duas horas de Os Mercenários. Na verdade, se é suficiente para fazer do filme o sucesso de bilheteria que provavelmente será, é pouco para torná-lo uma experiência agradável. Um dos principais causadores disso é a precariedade do roteiro. Os personagens, ao contrário de outros que se tornaram ícones dos anos oitenta, são absurdamente desinteressantes. Sem exceção, parecem todos bonecos de plástico e músculos caídos, com praticamente zero de desenvolvimento pelo material. Claro que ninguém vai assistir a Os Mercenários esperando um profundo estudo de personagens, mas seria demais pedir que eles tivessem alguma personalidade? Pelo menos algo capaz de diferenciar um do outro?

Nem mesmo os atores conseguem fazer algo para amenizar este aspecto da produção. Mesmo que não possam ser considerados grandes intérpretes dramáticos, os astros de Os Mercenários sempre foram capazes de demonstrar boa presença e uma certa dose de carisma em suas produções. Aqui, nada disso acontece. Nenhum consegue oferecer algo a mais aos personagens, que passam a produção inteira como sombras estéreis do que poderiam ter sido – Lundgren e Li, por exemplo, estão constrangedores. Na verdade, os únicos que conseguem realizar um mínimo de performance são Jason Statham, sempre cool, e Mickey Rourke, que comprova ser, de longe, o mais talentoso do elenco ao imprimir carga dramática a um monólogo.

Mas o roteiro não falha somente ao não se preocupar em contornar a caricatura ou diferenciar seus personagens: a própria estrutura adotada não faz muita lógica. Talvez nem valha a pena entrar em detalhes sobre os furos e a superficialidade da trama (também não é isso o que se procura aqui), porém, é difícil não se sentir insultado quando o roteiro passa longe de qualquer coisa que remeta a um pouco de inteligência. A maioria das piadas é óbvia e sem a menor graça e as poucas tentativas de desenvolver algo que pareça uma relação humana entre os personagens beira o risível: da relação pai e filha na família do general aos problemas de relacionamento do personagem de Jason Statham, tudo parece ter sido escrito pelo pior roteirista em atividade em Hollywood – e Stallone já demonstrou em outras oportunidades que pode fazer melhor que isso.

Ao mesmo tempo em que peca na construção do roteiro, Stallone demonstra inépcia na cadeira de diretor. E é aí que mora o real problema de Os Mercenários. As cenas de ação, que deveriam ser o grande atrativo do filme, são terrivelmente executadas. Stallone optou por um trabalho de câmera e edição epilépticos, que deixam o espectador completamente perdido em relação ao que está acontecendo. Os planos fechados e os cortes excessivos fazem com que todas as cenas mais movimentadas se tornem uma imensa confusão, uma vez que é praticamente impossível descobrir qual personagem está fazendo o quê ou mesmo acompanhar os golpes de uma briga mano a mano. O clímax, por exemplo, é composto por uns vinte minutos de puro caos e tédio. É uma péssima, terrível condução, que tira de Os Mercenários exatamente aquilo que deveria ser o seu forte: a ação.

Outro equívoco de Stallone na direção foi ter se levado a sério demais. Os filmes estrelados por ele e por outros atores dos anos oitenta só sobreviveram ao tempo porque, hoje, são vistos como grandes brincadeiras, repletas de excessos, mas, talvez por isso mesmo, divertidas. Com o elenco que tinha em mãos, Stallone deveria ter apostado mais em um clima de paródia do que nos membros decepados e cabeças explodindo. Caso tivesse mais boa vontade para rir de si mesmo, não somente através de piadinhas, mas de uma saudável autodepreciação, seria mais fácil ignorar a superficialidade do roteiro e das relações entre os personagens. Esta seria a melhor forma de homenagear aquela época, principalmente porque ele estaria se dando conta de que o tempo passou (algo que fez em Rocky Balboa (Rocky Balboa, 2006), por exemplo).

Na realidade, é quando segue por este caminho mais leve e solto que Os Mercenários funciona. Os melhores momentos do filme são quando os brutamontes brincam entre si e, principalmente, nas raras ocasiões em que Stallone aposta exatamente no excesso e no exagero: é praticamente impossível não se divertir na cena em que ele próprio atira em diversos inimigos, recarrega sua arma e segue atirando, sem ao menos se mexer ou sofrer um arranhão. O mesmo tom certeiro, aliás, é utilizado ao brincar com as imagens que o espectador já tem da persona de cada um dos atores: existem piadas sobre a altura de Jet Li, sobre a careca de Jasom Statham e, claro, existe a desde já favorita fala sobre o personagem de Schwarzenneger: “Ele quer ser presidente”.

São momentos como estes que demonstram o potencial que Os Mercenários tinha para se tornar um divertido filme de ação e uma homenagem ao gênero. Infelizmente para Stallone, a testosterona por si só não tem mais espaço no cinema de ação da era pós-Bourne: atualmente, até mesmo os super-heróis são personagens repletos de conflitos e dilemas. Por isso, mesmo sendo fraco e repleto de falhas, inclusive dentro do pouco que se propõe, Os Mercenários sofre de um outro sério e grave problema: é um filme, infelizmente, perdido no tempo.

Comentários (0)

Faça login para comentar.