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Críticas

Cineplayers

Um trio contra um filme.

1,0
Halder Gomes criou um sistema de produção no seu Ceará, local que demorou a ganhar os outros estados. Durante anos, seus filmes ficaram presos na região, produções pequenas e locais, realizadas com parcos recursos e muita gana de se fazer cinema. O resultado eram filmes carinhosamente toscos (ou toscamente carinhosos) que ganharam fama por lá, o que fez com que chamasse atenção para o seguinte: e se esse cara sair daqui para o resto do país numa produção mais cara? 

Paris Filmes e Downtown compraram a ideia, e o resultado foi Cine Holiúdi, que ano que vem ganha continuação e seriado derivado, cuja bilheteria alcançou expressivos mais de 500 mil espectadores. O passo seguinte chamou O Shaolin do Sertão, que chegou perto dos 800 mil espectadores. Agora, a parceria com Edmilson Filho (seu protagonista nas empreitadas e espécie de alter ego) dá uma pausa, e Halder se encontra com um mestre da sua terra, Tom Cavalcante. Junte a ele Tirullipa e Whindersson Nunes, respectivamente um YouTuber e o "maior YouTuber" do país, ambos também egressos da parte de cima do mapa, e temos Os Parças.

A verdade é que a empreitada tinha muita chances de dar errado. Dois YouTubers sem experiência de dramaturgia no lugar de Edmilson, um grande e subestimado ator que deveria ter muito mais espaço inclusive, era risco puro, mas também a oportunidade de ter uma bilheteria consolidada antes de qualquer marketing. Junte a eles um cara que é o oposto, experiente e com manhas provavelmente para dividir com os meninos, e mais Bruno de Luca - provavelmente o mais inexplicável galã romântico já pensado; difícil né? 

Pois bem, no fim das contas não deu muito certo mesmo... em imensa parte por conta do assustador roteiro apresentado. Cláudio Torres Gonzaga tem um currículo televisivo repleto de sucessos como A Grande Família, Sai de Baixo e Escolinha do Professor Raimundo, com 20 anos de serviços prestados à televisão como redator de humorísticos e também ator e humorista, sendo ainda o criador do standup Comédia em Pé. Nada disso foi capaz de trazer qualidade ao roteiro do seu longa de estreia, uma colcha de clichês ruim, onde coloca os imigrantes nordestinos como os típicos trapaceiros em São Paulo - e esse estereótipo está longe de ser o pior em seu trabalho. Com um amarrado de trama batido e antiquado, que inclusive situa o "mocinho" a uma subtrama romântica onde ele é menos atraente a um vilão que quer roubar a tudo e a todos, e que soaria patético e mofado hoje em qualquer episódio de Os Trapalhões, a impressão que fica é que a reunião do trio principal a Halder era a motivação, e o roteiro poderia ser qualquer coisa. Não poderia nem deveria, mas é o que é.

Halder tenta; depois de tantos anos, já tem alguma experiência em cenas ágeis. Conseguimos ver sua mão clara na sequência de abertura, quando os quatro protagonistas são apresentados e se conhecem, fugindo juntos. Esses primeiros 10 minutos não são inovadores em nada no que concerne a roteiro e apresentação, mas ao menos têm um certo frescor que na lente de Halder faz sentido e se traduz com agilidade. Poucas são as sequências seguintes que conseguem algum empenho gráfico, já que o projeto parece de encomenda e os esforços não teriam mesmo uma espécie de assinatura ou cara. O diretor tenta então entregar o trabalho realizado com segurança, ainda que o roteiro nunca deixe esse lugar seguro ter algum brilho. E com um roteiro tão esquemático, que apresenta um grupo de pessoas tão artificiais e situações tão eternamente requentadas, nem Halder nem seu elenco conseguem ir além do mínimo. Só que ninguém contava que o carisma fizesse a balança desequilibrar, ainda que brevemente.

A verdade é que Tom Cavalcante, Whindersson Nunes e Tirullipa funcionam muito bem juntos. O primeiro tem talento e experiência comprovada e reconhecida há 25 anos fora de sua cercania, os seguintes firmaram uma espécie de parceria em diversos vídeos feitos em conjunto e a química tava já comprovada por lá, e muito por causa disso eles estão juntos no filme. Ainda que o texto à disposição seja de qualidade inexistente, e Whindersson e Tirullipa de fato não sejam atores, acendem uma faísca muito boa em cena. Os três conseguem improvisar bem, dando graça e profissionalismo a um produto criado para fazer dinheiro. Na contramão do trio, Bruno de Luca tem o pior personagem do quarteto e nem luta contra a ausência de recursos. Entre os coadjuvantes, funciona apenas o ótimo Taumaturgo Ferreira; a mocinha Paloma Bernardi é sofrível, e acaba formando com Luca um casal abominável. Junte a isso uma moça chamada Carolina Chaleira, como a madrasta, e o resultado nunca consegue chegar a ser de fato razoável. E, lembrando os velhos filmes da Xuxa, o filme enfileira participações de Wesley Safadão, Carlos Alberto de Nóbrega e até Neymar sem qualquer maiores motivos. 

O quadro final é negativo, lógico. Graças ao já exposto roteiro, esse mais novo produto escrachado da Globo Filmes entra na quadra sem capricho algum, reiterando diversos preconceitos e estereótipos. Ao pensar no propósito do filme, no entanto, bate a necessidade de fazer ao menos um adendo: se seu tipo de humor é aquele mais raso possível, sem qualquer tipo de pretensão que vá além do besteirol a cara dos longas de Leandro Hassum, se você não é exigente com aspectos como fotografia, montagem, direção de arte ou figurino (tudo isso nos estertores da indigência) e só está procurando rir de um punhado de piadas grosseiras e clichês do século passado, talvez Os Parças seja uma bela pedida.

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