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Críticas

Cineplayers

Um filme sobre a lisergia sessentista com censura 14 anos e com um tsunami de piadas constrangedoras.

3,0

De Kinks a The Who, passando por Cream e Dusty Springfield até chegar a David Bowie, a trilha sonora de Os Piratas do Rock constrói um expressivo painel de parte significante da produção musical inglesa do final dos anos 60 / início dos 70, quando entraram em cena as rádios piratas sobre as quais trata – ou pretendia, ou deveria – o filme. Mas a homenagem prestada por Richard Curtis a esta época e, especialmente, ao estilo de vida que ela gerou, baseado na icônica cultura do “sexo, drogas e rock n' roll”, não acompanha a expressividade das canções e dos grupos que a embalam.

Além de passar bem longe do espírito que circunda este mítico período da história do século passado, Curtis constrói um verdadeiro almanaque filmado sobre como promover constrangimento no espectador: da extravagância habitual e cada vez mais inconsistente de seus personagens ao seu olhar infantilizado e idiotizado sobre o tema, Os Piratas do Rock é uma coleção de momentos antagônicos à comédia que trata de um objeto complexo e instigante, mas que parece ser engolido pela lente da câmera sob forma de uma bala de ecstasy e regurgitado ao espectador como um confete de M&M's.

Apesar da temática diferenciada, Os Piratas do Rock não está muito distante de qualquer outro filme de Curtis, especialmente sob o ponto de vista narrativo: existe um personagem ordinário com o qual adentramos a este mundo específico (no caso um moleque que vai viver em um barco onde funciona a tal rádio pirata que está estourando na Inglaterra) e, a partir daí, acompanhamos um painel imenso de personagens que surgem e se desenvolvem e se entrelaçam simultaneamente em um sistema multiplot que evolui com a obrigação de resolver redondamente a todas as tramas antes de se resolver por definitivo.

Porém, ao contrário de Simplesmente Amor ou Quatro Casamentos e um Funeral, quando este volumoso quadro de personagens excêntricos que acompanham a história rendia soluções e conexões até que interessantes, em Os Piratas do Rock não existe nada além de um bando de idiotas com iminente regressão mental fazendo trapalhadas estupidificadas em uma coleção de esquetes que não acrescentam nada ao discurso central. Perda de virgindade, relações amorosas fracassadas, traições e brincadeiras sobre mastros (sem trocadilho, pelo menos de minha parte) vão se empilhando de forma insegura, frágil, insossa, e não é por nada que um filme sobre relacionamentos entre os sexos em um barco pirata repleto de drogas e discos de rock chega ao Brasil com censura 14 anos: o filme realmente é inexpressivo.

Curtis vivenciou a época retratada quando criança, e talvez isto até explique o olhar infantilizado que atira sobre o tema, que transforma o filme em mais um forte candidato a sessões  vespertinas da TV aberta (embora certamente seja necessário cortar quase uma hora de filme, o que de certa forma é até positivo). Explica, mas não justifica a mediocridade deste olhar, completamente inconsequente para quem não passou pela mesma experiência - e muito menos o restante dos problemas.

A expansão dos piores cacoetes do humor inglês (diálogos e situações em velocidade ultrasônica, sofisticação de pet shop, tiradas de duplo sentido que não funcionam nem em nenhum dos dois etc.) e a montagem desenfreada, que deixa a impressão de termos visto um trailer de duas horas de duração, são a cereja do bolo desta experiência que não proporciona nada além de uma vontade imensa de correr até a prateleira e pegar um disco de Henrix ou Pretty Things para lembrar que os anos 60 não foram uma creche com drinks e baseados.

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