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Críticas

Cineplayers

Além da escuridão.

7,5

A direção fria, imersiva e sufocante pode lembrar o que estamos acostumados a ver no cinema de David Fincher. A história sombria, sobre homens comuns entrando em contato com o lado mais obscuro de suas almas quando deparados com uma situação desesperadora, evoca os romances de Dennis Lehane. No fim da equação, Os Suspeitos (Prisoners, 2013) é isso: um cruzamento de estilos que resulta em um filme seguro, incisivo e cortante – aos moldes de Hollywood, é verdade, mas não por isso menos autoral.

Denis Villeneuve, o canadense aclamado por Incêndios (Incendies, 2010), conseguiu realizar aqui o que parece difícil para a maioria dos diretores estrangeiros que tentam a sorte em Hollywood: manter seu estilo e visão sem se deixar corromper, cedo ou tarde, por exigências de estúdios. Plenamente no comando de seu suspense, o diretor pode parecer seguir certa ordem de fatores comuns nos suspenses hollywoodianos modernos, no entanto o faz com muita sagacidade e tira o que há de melhor de uma história que seria genérica nas mãos da maioria, mas que com ele ganha um contorno mais diferenciado e multidimensional.

Seu ponto de partida é forte: o desaparecimento de duas crianças. Embora não se saiba a princípio o paradeiro delas, qualquer hipótese soa horrenda demais, pois não há nada mais hediondo do que um crime cometido contra uma criança indefesa. As famílias Dover e Birch, têm a alegria da noite de comemoração do Dia de Ação de Graças desfeita quando as filhas dos dois casais desaparecem, e o principal suspeito é Alex Jones (Paul Dano), um cara problemático que é defendido ferrenhamente pela tia, Holly (Melissa Leo). Enquanto o tempo passa e o policial encarregado do caso, Loki (Jake Gyllenhaal), não chega a uma solução, Keller Dover (Hugh Jackman) decide fazer justiça com as próprias mãos e vai atrás de Alex.

É uma trama até comum de ser trabalhada por diretores de calibre, como David Lynch, ou um Clint Eastwood em Sobre Meninos e Lobos (Mystic River, 2003), sobre a típica vizinhança pacífica suburbana americana sendo corrompida por um crime brutal. A estratégia é desvendar a trama a um ponto em que notamos que toda a paz e toda a brutalidade fazem parte do mesmo lado da moeda, revelando um mal sempre à espreita por trás da fachada de cercas brancas e carros do ano. Mais terrível ainda quando a suspeita recai sobre um vizinho ou pessoa próxima, alguém de confiança. E, por fim, ainda pior, quando a própria vítima da situação (no caso, o personagem de Hugh Jackman) se deixa ser engolida pelo seu lado mais obscuro e acaba encontrando na própria violência e brutalidade uma maneira de enfrentar a situação.

O título original de Os Suspeitos, Prisoners, ou “prisioneiros”, acaba ganhando, sob essa perspectiva, uma ambigüidade que se mostra o ponto mais forte da obra. Afinal, não apenas as garotas raptadas são as prisioneiras da trama, como também o policial atormentado, o pai ensandecido, o suspeito problemático, e de certa forma todos os personagens, presos a si mesmos e a um lado deles que até então nunca tinha vindo à tona. Nesse meio tempo, o diretor conduz tudo com uma maestria impressionante, mantendo o pique do suspense por duas horas e meia de produção, confiando no desenvolvimento dos personagens de Jackman e Gyllenhaal, e desenrolando a investigação confusa com a confiança necessária.

Boa oportunidade para os atores principais (talvez o melhor papel de Gyllenhaal desde O Segredo de Brokeback Mountain [Brokeback Mountain, 2005] e a melhor chance de Jackman em extravasar o seu lado Wolverine fora da franquia X-Men), e um bom filme investigativo que aposta não apenas em um caso policial, como também nos dilemas morais dos personagens e na discussão da natureza do ser humano diante de situações extremas, Os Suspeitos dá continuidade a um tema que parece bastante relevante para Villeneuve, sobre a corrida contra o tempo de todos quando deparados com problemas capazes de expor as maiores vulnerabilidades pessoais. Talvez não seja preciso desaparecer alguém ou algo parecido, mas cedo ou tarde, em algum momento, há sempre aquela situação que coloca todos contra a parede e nos obriga a, antes de enfrentar qualquer consequência devastadora que esteja por vir, encarar, além da escuridão, o nosso próprio interior.
 

Comentários (25)

Francisco Bandeira | quinta-feira, 09 de Janeiro de 2014 - 16:09

Kadu, também acho que o Villeneuve tem seus méritos próprios, mas impossível não fazer uma breve comparação com Fincher! 😁😁

Paulo Matheus | quinta-feira, 09 de Janeiro de 2014 - 17:10

Vi agora há pouco e achei ótimo. É obvio que há uma influência do cinema de Fincher aqui, principalmente nos últimos minutos. Também notei uma semelhança com Clint Eastwood, no modo da condução do drama que me fez lembrar Sobre Meninos e Lobos. A fotografia é belíssima (Roger Deakins, cadê o Oscar desse cara?), o ambiente frio no início, depois passa para uma atmosfera sombria. E o final me fez gostar mais ainda do filme...

Guilherme Santos | sexta-feira, 27 de Junho de 2014 - 10:08

Abaixo de minhas expectativas, estava tudo bem até chegar no meio pro final quando o filme se perde em soluções fácies e até certo ponto forçadas, sem contar que várias pontas do filme são previsíveis e o diretor não se preocupa em esconder e o pior é que todo o mistério é revelado de uma forma patética e nada inteligente em uma péssima sequência final, no início eu estava com quase certeza de que estava vendo uma obra prima, pena que não foi. E por sinal não me lembrou muito o estilo de Fincher não, a atmosfera e construção do suspense eu achei diferente de filmes do diretor como seven e zodíaco, porém se Fincher tivesse dirigido seria melhor

Maik Brasil | quarta-feira, 06 de Agosto de 2014 - 20:31

O incrível é que parece que só dura 1 horinha, o suspense deixa aflito é de tirar o folego mesmo sem muitas cenas de ação, dou 9.

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