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Críticas

Cineplayers

Roteirizado na estrada, filme que fala sobre política, pertencimento, latino-américa, pátria e natureza.

8,0

Pachamama  é o terceiro filme de Eryk Rocha, uma investigação sobre a realidade político-social de nossos vizinhos Peru e Bolívia (com maior destaque para este último) e como o próprio diretor diz "sem nunca perder de vista o Brasil", ainda que o desfecho do filme não apresente tese ou conclusão explícita que ligue esta experiência a uma reflexão sobre nosso país. Falaremos disso  mais adiante.

Olhando de fora, este parece um caminho coerente numa obra curta, porém direcionada a entender, através do cinema, um pertecimento ou proximidade entre o Brasil e os demais países da América Latina. No documentário Rocha que Voa, Eryk investiga as possíveis ligações entre as vanguardas cinematográficas brasileira - representada pelo Cinema Novo e a figura de Glauber Rocha - e cubana, através do movimento Cine Revolucionário. Já em Intervalo Clandestino a câmera transita pelo espaço público carioca durante período pré-eleitoral à procura do espírito e expectativas políticas do cidadão comum brasileiro.

Apesar de toda vontade em encontrar ligações entre o cinema de Glauber e Eryk, as primeiras cenas pareceram mais ligadas às escolhas estéticas de Diário de Sintra, filme de Paula Gaitán, a mãe: uma brincadeira com texturas, chuva, asfalto, paisagens, placas e movimento. A narração é guiada pelo rádio, sintonizado nas notícias do dia, e só é interrompida quando a paisagem deixa de ser urbana. 

A primeira vez que a câmera – operada pelo próprio diretor – desce do carro, é para encontrar um Brasil amazônico e algumas de suas paisagens humanas. A diversidade nacional clicada nos olhos azuis do garoto que ganha um close só seu. Transparece a partir daí um olhar que permeia o filme inteiro: a vontade de encontrar o novo dentro de um espaço teoricamente conhecido, mas distante. Em Pachamama, Eryk e a equipe partem do Rio de Janeiro numa viagem de carro até a tríplice fronteira entre Brasil-Peru-Bolívia, numa busca por tudo que estes países e suas situações sociais e políticas particulares possam ensinar. Para tanto, a equipe é formada também por três historiadores (Francisco Carlos Teixeira, Daniel Chaves e Rafael Araújo) e um cientista político (João Carlos Nogueira). 

Quando o documentário se envolve nas questões de representatividade das nações indígenas bolivianas, é fácil lembrar de Cocalero, filme produzido quando da chegada de Evo Morales ao poder por lá, principalmente quando reproduz o discurso do presidente boliviano em defesa ao uso cultural da folha de coca entre seus compatriotas. A diferença com Cocalero é que os personagens principais em Pachamama são os agricultores, assalariados, trabalhadores das minas, as "cholitas", e assim testemunha várias situações interessantes, como na ida às minas que ainda existem em Potosí, ou com o senhor que conta, em quéchua, como seu pai (ou seria avô?) subia aquelas mesmas montanhas para se abastecer das preciosas folhas de coca, que o vemos manusear com um respeito quase religioso. 

Durante o filme inteiro é possível notar como a ancestralidade das culturas encontradas durante a viagem tem sido importantes para conectar as populações em torno de uma representação política comum, ligadas ao respeito com a terra na mesma medida em que a violência explode por conta mesmo da Pachamama, a mãe-terra do idioma Aymara. Qualquer referência ao enredo de Avatar não será leviana se tomarmos o cuidado de interpretar o subtexto do filme de Cameron para além do maniqueísmo de uma briga entre mocinhos e bandidos. "A mãe-terra me dá tudo que preciso", dirá alguém em meio às imagens de uma instigante manifestação de rua na Bolívia.

As discussões que Eryk presencia servem para evidenciar que as nações indígenas tanto no Peru quanto na Bolívia compreendem exatamente a medida de seu alieneação das decisões e entendem que ainda não tiveram um líder político à medida de suas necessidades. O clima de tensão só é quebrado pelo encontro da câmera com a natureza, onde seguem as experimentações com as texturas da vegetação, o céu e as paisagens que acontecem de aparecer a todo momento.

Numa das cenas mais tensas, a equipe presencia uma plenária onde a população discute o papel de uma determinada região do país no governo Morales. No calor da discussão, o diretor é apontado como “o gringo com a câmera” e acontece um emblemático enfrentamento entre Eryk e um boliviano, os dois cinegrafistas que se encaram por alguns segundos. Tempo suficiente para pensarmos no audiovisual usado como arma/veículo de discurso e defesa de individualidades tantas vezes mal interpretadas (e até esquecidas) pela mídia.

O Brasil é  citado algumas vezes, geralmente em referência ao governo Lula e à  boa posição política do país no quadro latino-americano e mundial. Mas Peru e Bolívia estão muito ocupados com suas próprias lutas e as populações indígenas seguem de perto a emergência de governos populares em busca de representatividade e talvez essa seja a lição que Eryk traz para casa. No entanto, os 105 minutos de um total de 80 horas de material bruto (que deram origem também a uma série com 6 episódios exibida pelo Canal Brasil.) não foram suficientes para que o diretor expusesse uma tese sobre como esta experiência possa servir à situação político-social brasileira; questão que não diminui a riqueza do documentário, que apresenta uma perspectiva mais aproximada de outras realidades, ao mesmo tempo tçao próximas e tão distantes de nós.

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