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Pantera Negra

(Black Panther, 2018)
7,1
Média
358 votos
?
Sua nota

Críticas

Cineplayers

Um marco em vários sentidos.

7,0
O nascimento de Pantera Negra, o primeiro super-herói de descendência africana na história das grandes histórias em quadrinhos americanas, e a chegada de seu primeiro filme solo, composto majoritariamente por um elenco negro, marcam um evento de grande importância não só para a bem-sucedida posição da Marvel e seu prestígio com o público, mas das próprias adaptações sobre heróis no geral. Claro, nada da discussão que cercou o personagem desde sua participação em Capitão América: Guerra Civil até a formação de seu diretor, o jovial e competente Ryan Coogler (do contundente Fruitvale Station), junto à escolha de toda a linha de frente do elenco, se revelaram pouco originais, em especial no que se refere à questão da representatividade negra no cinema e seu protagonismo nas grandes produções. E por mais que tais questões sejam inegavelmente merecedoras de toda a atenção possível, o filme de Coogler passa por cima de posicionamentos sobre o tema (sem jamais desmerecê-los, mas pontuando-os sutilmente) e se concentra no potencial espetáculo que há para ser extraído da rica e magnífica Wakanda.

Ambientado após os acontecimentos de Guerra Civil, onde T’Challa (Chadwick Boseman) perdeu seu pai, outrora rei de Wakanda, em um atentado, o Pantera retorna para sua terra natal, apresentada aos olhos do mundo como uma pobre nação de fazendeiros, para ser coroado como o novo rei do reino, cuja principal fonte de força e riqueza está na extração do Vibranium, o metal mais poderoso da terra, o que permite que Wakanda seja avançada tecnologicamente de uma forma que deixaria Tony Stark humilhado, além da magnífica vastidão cultural do reino, composta por cinco tribos bastante distintas. Colocando-se no caminho da paz de Wakanda está Ulysses Klaue (Andy Serkis), que roubou um punhado de Vibranium anos atrás, e sua parceria misteriosa com Erik Killmonger (Michael B. Jordan).

Pantera Negra, é claro, não é um filme que parte de politizações, mas se reveste delas para formar o seu quadro de auto-importância, resultado não apenas deste planejamento de 10 da Marvel com seus heróis, mas de toda essa era-Trump onde não há como fugir de alguns reflexos sobre a situação política atual, seja dos EUA ou do mundo. O roteiro de Coogler ao lado de Joe Robert Cole é bastante feliz ao conceber suas próprias “cutucadas” à contemporaneidade, como a breve referência aos refugiados, à colonização, à própria visão estereotipada sobre pessoas negras (“Você botou todos os seguranças atrás de mim desde que entrei aqui.”), ou mesmo a extrema textura da cultura africana que compõe toda a identidade visual do longa, deslumbrante e harmoniosa como poucos da Marvel o foram em sua trajetória.

Wakanda, por sinal, é quase uma personagem à parte dentro da narrativa, tão cheia de cores, vida, sons, cenários e riqueza cultural que nos fazem perguntar o quão extenso deve ter sido o estudo dos responsáveis pela direção de arte e figurino para criar uma existência paralela tão exuberante e pulsante como o reino fictício em questão. Não apenas isto, é notável o enorme respeito da produção pela retratação da cultura local, indo além dos cenários e figurinos para as máscaras simbólicas, o significado das danças e ao movimento dos corpos, as crenças míticas em deuses e rituais… Há uma enorme satisfação em Pantera Negra nessa pintura minuciosa sobre um povo ancestral, o que confere novas e interessantes camadas ao universo estendido da MCU. Impossível não notar a trilha sonora instrumental de Ludwig Göransson, que mescla batuques e tambores com os momentos de grandiloquência, definitivamente embarcando no capitaneamento do rapper Kendrick Lamar para a OST do longa.

Coogler e Cole, por sinal, sabem como delinear seus personagens e, por vezes, colocá-los acima do bem ou do mal e compô-los com uma tridimensionalidade que tem se tornado cada vez mais usual nos filmes de heróis, algo muito bem-vindo para um “gênero” cujos protagonistas sempre representaram personalidades muito unilaterais. O personagem de B. Jordan, em especial, recebe um carinho muito particular de um roteiro (e certamente devido a proximidade de Coogler com o ator, com quem trabalhou em todos os seus filmes anteriores) que lhe empresta motivações plausíveis para suas atitudes que, em determinado momento, rivalizam com nosso conceito sobre o que realmente pode ser vilanizado em suas escolhas. Há aqui os ares de tragédia familiar shakesperiana que marcaram o primeiro Thor, por exemplo, e Jordan novamente se mostra um ator de belas nuances ao compor Killmonger como um rosto carregado pelo peso do passado e também a personificação do abandono social de grande parte da população negra dos EUA. É o grande arco do filme, sem dúvidas.

O que não significa que os outros rostos de Pantera Negra não possuam suas próprias camadas, pelo contrário. Chadwick Boseman, entre poucos gestos e mudanças sutis de postura e expressões, encarna com competência os conflitos internos e as responsabilidades como novo rei de Wakanda, em especial quando se defronta com o resultado de ações de seu pai cometidas no passado. Andy Serkis comprova o quanto poder ser um ator tão completo quanto é na captura de movimentos e faz de Klaue um antagonista caricato e imprevisível, com o ator claramente se divertindo na pele megalomaníaca do vilão. E igualmente surpreendente é o time de rostos femininos que compõe figuras femininas fortes e que em nada devem ao posicionamento da realeza masculina, e os nomes de Lupita Nyong'o, Angela Basset e Danai Gurira, que lidera o notável exército de defesa de Wakanda composto apenas por mulheres.

Diante de tanta preocupação com o estabelecimento da ambientação de Wakanda e um desenvolvimento adequado das ações e reações de seus personagens, Pantera Negra investe bem pouco na ação física, o que não seria um problema se, quando presente, a ação não acelerasse tanto a narrativa que, até aquele momento, se fazia satisfeita com a forma que caminhava. Como um filme de estúdio, chega um ponto em que Coogler se vê obrigado a investir na ação ininterrupta e no suspense para manter o público atento na poltrona, e aqui não apenas o longa resvala em certa banalidade (apesar disto não ser o pecado maior), como também acumula plot twists que, de tão previsíveis, minam o impacto do próprio conflito entre os Wakandanos, por exemplo, algo que parece da noite para o dia (basta prestar atenção na virada nada orgânica de W'Kabi, personagem de Daniel Kaluuya). Também falta mais apuro a Coogler para lidar com a ação, e apesar de explorar bem o visual das cenas mais noturnas (a perseguição na Coreia do Sul), a movimentação das cenas ainda pede um pouco de inventividade nos movimentos, por vezes repetitivos.

Mas Pantera Negra é, de fato, um filme especial como todos queríamos. É político, sem a necessidade de se fazer gritante para tal. É representativo, e consegue este feito através de artifícios muito naturais. E é um belo filme de personagens realmente interessantes em meio ao mar de mesmices a que o segmento dos super-heróis parecia condenado. Independente do quanto batam o pé para ele, sua posição como marco da representatividade no cinema blockbuster e como um novo salto no estabelecimento do universo Marvel já está cimentada. Que venha Guerra Infinita e os novos rumos para esses heróis lendários.

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