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Críticas

Cineplayers

Não é mais uma adaptação dos livros de Nicholas Sparks, mas é como se fosse.

3,5

Para Sempre (The Vow, 2012) é um bom exemplo da incrível capacidade de Hollywood transformar uma história real com elementos de tragédia, religião e superação em uma fantasiosa comédia romântica. Em 18 de setembro de 1993, Kim e Krickitt Carpenter se casaram. Dois meses depois, ambos se envolveram em um sério acidente automobilístico, que fez com que Krickitt permanecessem em coma por várias semanas. Ao acordar, ela não se lembrava de nenhum fato ocorrido dezoito meses antes do evento, incluindo aí o seu casamento e até mesmo o nome do seu marido. Sem saída, Kim foi obrigado a começar do zero. Com muito esforço e, segundo o livro que o casal acabou escrevendo em 2000 sobre essa experiência, com um grande apoio na religião, ele conseguiu fazer com que sua mulher se apaixonasse, mesmo não tendo ela se recordado dos fatos que antecederam o acidente. Doze anos depois do lançamento do romance e quase vinte após o episódio em si, a história ganha sua adaptação para a tela grande. Como estamos diante de uma produção direcionada ao público adolescente, não é de se estranhar que a versão cinematográfica o drama do casal central ceda terreno para uma visão mais adocicada dos fatos.

Krickitt e Kim Carpenter se tornaram Paige (Rachel McAdams) e Leo (Channing Tatum). Logo no começo, eles saem de um cinema de Chicago. É inverno. As ruas estão cobertas de neve. O cenário é o mais romântico possível. Ao voltar para casa, o carro deles é abalroado na traseira por um caminhão. Ao menos na versão do filme, não houve culpados pelo acidente. Apenas a fatalidade de um motorista que não conseguiu frear seu veículo numa pista acarpetada de gelo.

O impacto é tão forte que Paige, que tinha acabado de tirar o cinto de segurança, é arremessada para fora do carro. A cena é filmada em câmera extremamente lenta, de modo que podemos ver os detalhes do vidro da frente se estilhaçando, ao mesmo tempo que seu corpo é projetado para frente, como um bólido sem destino. Leo escapa ileso da batida. Paige, por outro lado, entra em coma profundo. Ele permanece ao seu lado no leito do hospital, enquanto rápidos flashbacks nos revelam o dia em que o casal se conheceu, como o namoro tomou corpo, e a falsa cerimônia de casamento, quando Paige declara seu compromisso ao marido em um cardápio de restaurante. Ao recobrar a consciência, logo fica claro que Paige não se recorda de nada do que ocorreu na sua vida nos cinco anos anteriores (inclusive de ter votado em Obama nas eleições de 2008). Alijado da memoria da sua própria esposa, Leo terá que reconquistá-la novamente. Mas desta vez ele terá alguns fortes obstáculos pela frente, como os seus sogros (Sam Neill e Jessica Lange) e o ex-noivo da garota (Scott  Speedman). O conflito amoroso está formado.

Em princípio não há nada de errado no fato de uma obra cinematográfica aproveitar-se apenas no mote principal de uma história pré-existente. Ainda que o resultado que será visto na telona se distancie da sua fonte original, tais liberdades de adaptação devem ser vistas como opções criativas, narrativas ou dramatúrgicas que, se bem trabalhadas, servem para atender a proposta dos roteiristas ou dos diretores.

Se estas tivessem sido as intenções que envolveram a realização de Para Sempre, eu não teria do que reclamar. Afinal, o ponto de partida da história real na qual o filme se baseou – a perda da memória – é inegavelmente forte, do qual diversos questionamentos surgem naturalmente: nossa identidade se define pelas recordações que coletamos ao longo da vida? O que seria de nós se o passado nos fosse sonegado? É claro que Para Sempre foge como diabo da cruz destas encruzilhadas filosóficas e, antes disso, opta pelo caminho mais simples – e superficial – dos clichês dos filmes de amor.

Novamente, na essência não há nada de errado em trabalhar com os clichês cinematográficos. Basta fazê-lo de uma forma inteligente, a favor dos personagens e da história que se está contando. O equívoco não está no clichê propriamente dito, mas sim na sua  utilização com o objetivo único de simplificar a mensagem que se está querendo passar e, com isso, aumentar o público alvo. Em outras palavras, o problema está no uso do clichê para emburrecer e empobrecer o filme.

É justamente o caso de Para Sempre. Para deixar claro o terreno que a plateia está pisando, o roteiro cria dois grupos de personagens: os que estão a favor e os que estão contra à reconstrução do romance do casal central. De um lado do ringue está obviamente Leo, o marido, e seus amigos (que servem exclusivamente para que ele tenha com quem conversar e expressar seus pontos de vista). Do outro lado, estão os pais de Paige e seu ex-noivo. Para não haver dúvidas de que lado o filme está, Leo e seus amigos são retratados como pessoas libertárias, descoladas (até mesmo a ridícula cartola que um eles usava na hora do casamento é vista como algo transado), independentes, sem um mísero defeito (a carteira de habilitação de Leo deve estar zerada até hoje), do tipo pobres-mas-felizes. Já os pais e o ex-noivo da protagonista são ricos (como se isso fosse um defeito), passam gel no cabelo, usam os melhores e mais alinhados ternos, trabalham em grandes escritórios no coração comercial de Chicago, e, como não bastasse, são simpatizantes do Partido Republicano. Nem mesmo na segregação das novelas brasileiras em núcleos ricos e núcleos pobres se vê uma divisão tão simploriamente maniqueísta como essa. Esta estrutura ultrapassada faz com que Para Sempre, por vezes, pareça-se com os inúmeros melodramas lacrimejantes dos anos 40/50 (sem Douglas Sirk na direção).

Além do mal uso do clichê, Para Sempre desrespeita a regra número um de qualquer filme romântico: o êxito da obra está necessariamente ligada ao envolvimento do público com a história e com os personagens. Para que esse vínculo seja pleno, é necessário que ele acredite, se identifique e se interesse pelo amor do casal central. Aqui esse elemento essencial inexiste.

Um dos motivos deriva da própria estrutura do filme, que se inicia justamente com a separação forçada dos protagonistas. Em outras palavras, a plateia mal teve tempo de conhecer aquelas duas pessoas e,  antes mesmo dos dez primeiros minutos, já está sendo intimada – e a palavra é exatamente essa – pelo roteiro a torcer pela reconstrução daquele amor.  A tendência é que o filme não ganhe muitos adeptos.

Outro motivo decorre de uma tentativa frustrada para resolver o primeiro problema: os flashbacks. É mais ou menos óbvio que os roteiristas devem ter percebido que seria difícil ter a adesão das pessoas em relação ao romance entre um casal que elas mal conheciam. Para solucionar isso, criou-se uma série de flashbacks que revela como os protagonistas se conheceram e começaram a namorar. Do ponto de vista da técnica narrativa, a ideia faz sentido. Na prática, a coisa não funcionou. Em primeiro lugar, pela pressa de tentar resumir quatro ou cinco anos de relacionamento em duas cenas. Por mais boa vontade que se tenha com o público, há limites para se preencher tantos espaços vazios. Em segundo, pela falta de imaginação dos roteiristas em criar um encontro entre Paige e Leo que justificasse o amor à primeira vista (Billy Wilder chamava esse artifício de meet cute). Aqui eles se cruzam por acaso numa fila qualquer de instituto cultural de Chicago. Leo se aproxima, joga uma conversa fora, Paige se mostra receptiva, e logo em seguida ambos já estão tomando sorvete na esquina do lado de mãos dadas. Tudo é tão fácil e rápido, que é bem improvável que um amor tão duradouro – ou ao menos um pelo qual valha a pena torcer – tenha nascido desta forma.

Outro grave problema de Para Sempre está na caracterização de Paige. A culpa nem é tanta da atriz Rachel McAdams, mas sim do modo como sua personagem foi construída no roteiro. Sua perda de memória após o acidente não apenas lhe retirou momentos fundamentais da vida, como também fez com que mudasse sua própria personalidade. Além de esquecer o nome do marido e o casamento em si, Paige não se lembra mais da sua condição de vegetariana, da sua profissão de escultora, da sua desistência da faculdade de direito, da sua aversão à vida burguesa e supostamente fútil que lhe era proporcionada pelos seus pais. A Paige que volta do coma é outra mulher, coincidentemente – demais até – muito próxima daquela que ela mesma rejeitava. A opinião é de um leigo, mas é difícil acreditar que alguém seja capaz de mudar tanto assim, mesmo sendo vítima de um acidente automobilístico.

A direção de Michael Sucsy (estreando no cinema, após o telefilme Grey Gardens – Do Luxo à Decadência) sucumbe aos clichês e às limitações da história. Nem mesmo sua maior ousadia formal – a sequência do acidente – é das mais felizes. Além de contar uma forte ajuda dos efeitos especiais, a opção pela câmera superlenta deixou a cena com cara de filme educacional sobre a necessidade do uso dos cintos de segurança. Justiça seja feita, talvez os principais problemas de Para Sempre não sejam de direção, mas sim de roteiro, repleto de soluções fáceis e superficiais (a filosófica narração em off de Leo, que fala da importância dos momentos de impacto das nossas vidas, é outra escolha equivocada). Também pudera, dos três roteiristas que assinam os créditos, dois deles (Marc Silverstein e Abby Kohn), foram os responsáveis pelos roteiros de Ele Não Está Tão a Fim de Você (He´s Just Not That  Into You, 2009), e Idas e Vindas de Amor (Valentine´s Day, 2010). Quem viu estes dois trabalhos, sabe o que esperar de Para Sempre. Depois não reclamem que não foram avisados.

Quanto ao elenco, Rachel McAdams, uma espécie de Paola Oliveira piorada, parece estar tentando ocupar um espaço nas comedias comédias românticas deixado por Meg Ryan. Sua participação em Diário de uma Paixão (The Notebook, 2004) e Te Amarei Para Sempre (Time Traveller´s Wife, 2009) indica isso. Em Para Sempre, como já falado, a atriz é prejudicada pela má construção do seu personagem no roteiro, mas mostra que consegue segurar um papel mesmo nestas condições. Tatum, apesar e todas as desconfianças em torno de seu nome, se sai bem no estilo discreto, comedido, sem exageros (só não peçam para ele expressar maiores sentimentos, muito menos chorar em cena). Jessica Lange e Sam Neill certamente já viveram dias melhores diante das câmeras. Mas, de novo, o problema aqui é mais decorrente do roteiro do que do talento dos dois veteranos. Os demais integrantes do elenco nem chegam a se caracterizar como personagens na acepção do termo.

Para Sempre é daqueles filmes que parecem ter saído das páginas dos livros de Nicholas Sparks. Como nas outras obras adaptadas dos seus romances, aqui também há uma história de amor de um belo casal, cujo triunfo dependerá da superação de vários obstáculos existentes pelo caminho. Assim como nas suas novelas, a trama é fantasiosa, superficial e binária. Logo, não espere a discussão e o aprofundamento de temas importantes decorrentes da premissa inicial. Às vésperas do Dia dos Namorados, isso é o que menos importa. O que interessa aqui é saber se a mocinha vai beijar o mocinho na cena final. Em termos cinematográficos, no entanto, isso é muito pouco.

Comentários (3)

Alexandre Koball | quinta-feira, 03 de Janeiro de 2013 - 14:38

É bem simpático e um ponto acima da média dos filmes do Sparks.

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