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Críticas

Cineplayers

O cinema pedante e convencional.

6,0
Etienne se muda do interior da França para Paris para estudar cinema, onde conhece diversos de outros aspirantes a cineastas procurando uma forma de criar no berço dessa arte que, com pouco mais de um século de vida, já apresenta sinais de esgotamento criativo. Enquanto procura crescer como homem e artista, ele aos poucos percebe que uma coisa não está distante da outra e que, longe de se entender, também não está perto de encontrar o cinema que procura alcançar. Paris 8 (Mes provinciales, 2017), portanto, se encaixa na característica de filme metalinguístico, em que o diretor Jean-Paul Civeyrac usa Etienne como aparente alter-ego para discutir as dificuldades de um cineasta em meio a uma época em que tudo de bom já parece ter sido filmado antes por alguém. 
A ideia é interessante por partir dos tipos mais detestáveis que formam a cinefilia e crítica cinematográfica atual. Enquanto Etienne é o cara que tem estudo, mas não compreende de fato do cinema como arte e profissão, outros personagens representam papéis mais desagradáveis ainda. O destaque entre eles é Mathias, um típico “chatão” que não gosta de filme nenhum, contesta todos os filmes idolatrados pela maioria, jamais aceita que qualquer trabalho novo possa trazer algo de minimamente interessante e vive de teorias acadêmicas que o impedem de ter qualquer relação apaixonada de verdade pelo cinema. Todos orbitam ao redor de Mathias, mesmo ele sendo odiado pela maioria, pois em seu aparente rigoroso critério de avaliação cinematográfica se expõe a falsa ideia de conhecimento analítico profundo.  Em poucas palavras, Mathias é pedante, a ponto de não conseguir pronunciar uma frase sequer sem citar nomes como Jean Vigo, Satyajit Ray, John Ford ou qualquer outro cineasta de renome para estabelecer métodos de comparação com forma de crítica. 

Por trás de tudo, Civeyrac procura refletir sobre o aparente estado de inanição criativa no cinema mundial, em especial o francês. Citando uma tonelada de cineastas, músicos e escritores clássicos a cada cena, ele ao mesmo tempo desdenha e acolhe essa geração de artistas incapazes de se desprender de suas referências e criar algo verdadeiramente novo e fresco. Claro que, cedo ou tarde, isso se reflete no próprio filme em si, fazendo de Paris 8 uma obra que se encaixa exatamente no objeto de crítica de seu discurso: o típico filme francês moderno, com seus círculos amorosos, personagens apáticos, preto e branco pretensioso, emoções humanas quase nulas, citações eruditas gratuitas e narrativa devagar quase parando. 

Em Paris 8, o avanço do cinema nas últimas décadas é também o seu maior empecilho. Na ânsia de fugir do convencional, o cinema se torna irremediavelmente clichê. No ímpeto de provocar novas e interessantes reflexões, acaba soando reciclado e amaldiçoado pela sombra de gerações passadas de cineastas revolucionários. O que é realmente novo e diferente é atacado não ter embasamento acadêmico ou reflexo de alguma escola, movimento, cineasta ou período passado. Também nessa mesma sinuca de bico, o próprio protagonista não consegue avançar em sua vida pessoal, não sabendo ao certo o que quer de seus relacionamentos, no que acredita e se realmente ama a namorada deixada pra trás no interior. Aos poucos, esses dois lados se entrelaçam em uma costura que expõe que o que acomete de fato o cinema moderno é o pedantismo da juventude que ainda muito cedo acha que já sabe de tudo, conhece demais, mas que no fundo não entende de fato nada da vida, não se mostrando assim capaz de oferecer algo e verdadeiramente interessante na arte. A ironia disso tudo, ou talvez a confissão proposital implícita, é que o próprio Jean-Paul Civeyrac representa com seu Paris 8 essa geração e esse cinema convencional que tanto lamenta. 

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