Saltar para o conteúdo

Críticas

Cineplayers

18 histórias na Cidade Luz sobre amor formam um pacote de cinema bom, porém irregular.

6,5

Paris, Te Amo é um longa-metragem de pouco mais de duas horas de duração, composto por dezoito curtas-metragens, dirigidos por famosos cineastas de todo o mundo, que deixam transparecer aqui suas impressões sobre as particularidades da cidade francesa e, principalmente, sobre a fama de ser a capital dos apaixonados. A proposta feita aos diretores foi a de mostrar que, em Paris, o amor está por todo canto. Entre os cineastas convidados estão o brasileiro Walter Salles, Alfonso Cuarón e os Irmãos Coen. Paris é uma cidade formada exatamente por dezoito distritos, e cada um dos dezoito curtas mostra um bairro diferente, seja por meio de uma praça do local, ou por meio de uma estação de metrô.

Seria impossível fazer uma análise apenas global do filme. É necessário fazer uma pequena análise de cada curta que compõe o longa, pois são visões distintas das localidades parisienses. Paris, Te Amo traz histórias alegres, tristes, melancólicas. Mostra encontros, novos relacionamentos, separações, mas tudo sem perder de vista o amor. Vamos às histórias:

O primeiro curta, intitulado Montmartre, é dirigido pelo francês Bruno Podalydes, que conta a história de um homem que ao procurar uma vaga para estacionar seu carro nas estreitas ruas de Montmartre, começa a se indagar sobre o porquê de não conseguir encontrar um amor. A visão de Podalydes deixa a desejar, com seu final abstrato, fica a sensação de um vazio, de falta de resposta. Na abordagem romântica, o curta é insatisfatório, mas ao mostrar as particularidades do distrito de Montmartre deixa claro o sacrifício enfrentado por quem pretende parar seu carro na rua. O trânsito, assim como de qualquer grande cidade, é caótico. Uma Paris realista, com um encontro casual mal definido.

Quais de Seine é o segundo curta. Mostra François e dois amigos, sentados à margem do rio Sena, mexendo com as moças que passam pelo lugar. O olhar de François é atraído por uma muçulmana, que acaba caindo no chão. O garoto levanta para ajudar a moça, enquanto seus amigos ficam tirando sarro. Quando ela vai embora, o rapaz percebe que quer passar mais tempo ao lado dela. Essa passagem, dirigida por Gurinder Chadha, uma queniana que reside há mais de quarenta anos na Inglaterra, é fraca. Consegue ser, quase que em sua totalidade, uma maré de clichês. Uma visão das diferenças étnicas de Paris, e do amor na juventude, que poderia ser mais inventiva e melhor trabalhada.

Na seqüência, vem Le Marais, de Gus Van Sant. O diretor de Elefante começa a dar bom ritmo a Paris, Te Amo. Seu curta mostra Elias, um garoto que trabalha em uma galeria de arte.  Em um dia, Gaspard, jovem arista, acaba se encantando pelo rapaz, e começa a falar para Elias o que está sentindo. Parecendo ser uma pessoa introspectiva, Elias ouve as palavras de Gaspard sem demonstrar nenhum tipo de reação. Então, o jovem artista resolve deixar seu telefone com Elias, que, após a partida de Gaspard, percebe que algo especial acabou de ocorrer em sua vida. Esta é a primeira passagem sem ressalvas. A história flui bem, e o filme apresenta seus primeiros momentos de bom humor. Van Sant passa seu recado, em uma Paris que respira arte, de maneira simples.

Se com a visão de Van Sant o longa começou a apresentar o elemento do humor, nada mais apropriado do que vir, na seqüência, o trecho dos brilhantes Irmãos Coen, conhecido por terem um humor sarcástico, presente, por exemplo, em O Homem que Não Estava Lá. Os dois são brilhantes. Trazem o curta Tuileries, sobre um turista americano que está lendo um guia no metrô parisiense. Um casal, do outro lado da plataforma, chama sua atenção. Ao olhar para o casal, o homem percebe que deveria ter seguido o conselho do guia: “Não encare as pessoas”. A visão da dupla de diretores é uma aula de como se fazer uma comédia simples. Eles apresentam a absurda visão norte-americana sobre como se comportar em uma terra estrangeira (há, no guia, o conselho para tomar cuidado com doenças contagiosas oriundas da Segunda Guerra Mundial). Depois, os diretores aproveitam para cutucar o comportamento correto demais dos franceses. O humor escrachado dos Coen dá um gostinho de quero mais. Bem que o curta deles poderia ser um pouco maior, já que é, junto com mais umas poucas passagens, um dos melhores trechos de todo o filme. O mérito pelo bom trabalho tem que ser divido com o ótimo ator Steve Buscemi, que já trabalhou com os diretores em Fargo.

Logo em seguida, vem Longe do 13° Distrito, trecho de Walter Salles e Daniela Thomas. O diretor convidou a atriz Catalina Sandino Moreno, uma colombiana indicada ao Oscar em 2005 por Maria Cheia de Graça, para protagonizar seu curta. Ela interpreta uma imigrante, que, todo dia, deixa seu filho em uma creche para ir trabalhar como babá de outra criança, em Paris. Para chegar ao seu local de trabalho, a moça enfrenta uma grande viagem. A história da dupla brasileira é interessante, retrata uma triste realidade, mas de uma maneira muito simples. Infelizmente, o problema apresentado não é particularidade francesa. O curta, que poderia se passar em qualquer grande cidade, poderia, também, transmitir a mesma mensagem de maneira menos monótona.

Porte de Choisy mostra um encontro surreal entre um vendedor de produtos femininos e a proprietária de um salão de beleza chinês. O australiano Christopher Doyle, famoso no cinema asiático, concebeu um curta horrível. É uma “viagem” total.  Com esse trecho, o ritmo agradável alcançado pela produção, um pouco abalado pela passagem anterior, desaba. Minutos absolutamente dispensáveis.

A espanhola Isabel Coixet, que está em cartaz no Brasil com A Vida Secreta das Palavras, dirige Bastille. Nele, um homem está prestes a pedir divórcio para sua esposa porque quer viver com sua amante, quando a esposa lhe conta que só tem alguns meses de vida. Ele terá que escolher entre ficar com a esposa e ajudá-la, ou ficar com a amante. Bastille devolve qualidade ao filme. Um trecho bonito, que mesmo sendo dramático, não perde o humor. No elenco está Miranda Richardson, de Traídos pelo Desejo

Place des Victoires é uma das mais belas seqüências de Paris, Te Amo. O japonês Nobuhiro Suwa filma a triste história de uma mãe (Juliette Binoche) perturbada pelo choro de seu falecido filho que amava cowboys. Ao ir à praça das vitórias, a mãe depara-se com um estranho cowboy que proporciona a ela alguns minutos ao lado de seu filho. Essa passagem é completa. Traz uma visão de Paris, com uma bela história de amor entre mãe e filho. Faz companhia ao curta dos Coen como um dos melhores do longa. Willem Dafoe interpreta o misterioso cowboy.

A seqüência seguinte, Torre Eiffel, exagera um pouco na dose ao mostrar a vida de um mímico que passa seus dias importunando os turistas. Ao ser preso por um policial, acaba conhecendo, na cadeia, uma companheira. O diretor Sylvain Chomet, de As Bicicletas de Belleville, traz em seu curta uma lição de moral muito clara, mas muito boba. Engraçadinho, o trecho acaba parecendo longo demais – o que é péssimo tendo em vista que se trata de um curta-metragem.

Depois, surge na tela a seqüência do ótimo Alfonso Cuarón. O diretor deixa transparecer suas características em Parc Monceau. Seu curta é feito com uma câmera que segue seus personagens, sem que haja nenhum corte aparente (as tomadas sem corte são uma característica marcante de seu ótimo Filhos da Esperança). A surpreendente história, que parece caminhar para um sentindo, mas mostra que está indo para outro, conta o relacionamento de um americano de meia idade com uma jovem. Andando por uma avenida, eles conversam sobre os problemas da moça. Grande trabalho de Cuarón.

Quartier des Enfants Rouges. Dirigido pelo francês Olivier Assayas, mostra uma atriz americana que está participando da gravação de um filme em Paris. Para agüentar o ritmo exaustivo das filmagens, ela se encontra com um traficante para comprar drogas. No meio da noite, resolve fazer mais uma encomenda para rever o traficante. Assayas traz o lado sujo do amor. Sua mensagem é sobre até que ponto nos submetemos a alguém de quem gostamos. Um curta satisfatório, com uma visão desencantada do amor. A atriz americana é interpretada por Maggie Gyllenhaal. 

Filhos de pais alemães, o diretor Oliver Schmitz é nascido na África. Não à toa, ele traz em seu curta a história de dois afro-descendentes que moram em Paris. Place des Fêtes narra a história de um músico que acaba sendo esfaqueado em uma briga e é socorrido por uma jovem enfermeira. Enquanto é atendido, o homem percebe que já conhece a moça. Direto e tocante. Essas são as duas únicas palavras necessárias para definir esse bom trecho do longa.

O 13° curta-metragem, Pigalle, mostra o encontro de um casal em crise, em um bar de striptease. O diretor Richard LeGravenese, roteirista de As Pontes de Madison, explora o amor na maturidade de forma extremamente desinteressante. Vale mais pela presença de Bob Hoskins.

Vincenzo Natali traz o curta Quartier de la Madeleine, sobre um jovem, interpretado por Elijah Wood, que encontra uma vampira nas ruas de Paris. A princípio, ele fica assustado, mas depois de um tempo, percebe que está se sentindo atraído por ela. Essa história de terror trash, apesar de seu charme visual, é absolutamente dispensável. Natali foi longe demais em sua idéia, e o filme começa a ficar cansativo.

Este é o momento em que a pergunta “será que falta muito para acabar o filme?” começa a passar por nossas mentes.  A sensação de que Paris, Te Amo está se alongando demais é inevitável, mas ainda faltam quatro curtas. 

O trecho anterior trouxe o gênero terror ao filme. Quando o nome deste curta, Père Lachaise, veio acompanhado do nome de seu diretor, Wes Craven, pensei que teríamos outra seqüência do gênero, ou, ao menos, um suspense. Mas a única coisa que o mestre do suspense/terror fez foi filmar em um cemitério. Na história, um casal briga em função de suas diferenças durante uma caminhada entre os túmulos de pessoas famosas. Eles só encontram a solução para seus problemas com o aparecimento de um fantasma. Mas um fantasma nada assustador. Este fantasminha camarada é do escritor Oscar Wilde.

Paris, Te Amo não se torna uma chatice porque os três últimos curtas vão se superando em qualidade. O diretor Tom Tykwer, de Corra, Lola, Corra, traz com humor, a história de uma jovem atriz que telefona para seu namorado cego para lhe dizer que o relacionamento deles chegou ao fim. Então, embarcamos em uma viagem, dentro da mente do cego, que nos mostrará o relacionamento dos dois, desde o momento em que se conheceram. Com a talentosa Natalie Portman no elenco, Faubourg Saint Denis é um curta surpreendente e significativo.

A penúltima história se junta à galeria dos melhores curtas do filme. Dirigido pela dupla Frédéric Auburtin e Gérard Depardieu, Quartier Latin conta a história de um americano de meia idade que, a fim de assinar os papéis da separação, encontra-se com sua ex-esposa em um restaurante. Aos poucos, os dois deixam a cordialidade de lado, e começam a trocar insultos. Uma grande comédia sarcástica, sobre amor e ódio. Trecho extremamente interessante e maduro.

Por fim, a última parte é do ótimo diretor Alexander Payne, de Sideways - Entre Umas e Outras. Conta a história de uma turista americana que viaja sozinha a Paris, e acaba conhecendo melhor a si própria. É inegável o talento de Payne para comédias-dramáticas. Seu curta, estrelado pela inspirada Margo Matidale, é excelente. Se não fossem essas três últimas passagens, que devolveram qualidade ao filme, a produção seria muito cansativa. 

Paris, Te Amo tem algumas histórias boas e outras realmente fracas. Alguns curtas poderiam ter menor duração, ou poderiam, simplesmente, não existir. No geral, o longa é bonito, mas com uma metragem menor, o filme seria, com certeza, melhor. Uma pena que alguns diretores tenham sido infelizes, porque houve aqueles que foram perfeitos ao retratar a Cidade Luz. Ao menos, após a overdose de Paris a que fui submetido, fica a sensação de que conheci diversos lugares da cidade – inclusive pontos não turísticos – sem sair de uma cadeira de cinema.

Comentários (0)

Faça login para comentar.