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Críticas

Cineplayers

O desencantamento de um universo mágico.

5,0
O personagem Peter Rabbit, ou Pedro Coelho na versão abrasileirada, é um dos mais antigos e queridos da literatura infantil, criado no começo do século passado pela escritora Beatrix Potter e desde então popularizado em pinturas, enfeites, brinquedos e outros itens que o eternizaram na cultura pop inglesa. Sua história no cinema é mais discreta. Embora o próprio Walt Disney em pessoa tenha mostrado grande interesse em adaptá-lo, Potter não quis ceder os direitos do personagem e dos livros, mas com o tempo ele acabou ganhando uma série animada de televisão na HBO nos anos 1990, quando foi reapresentado às novas gerações não muito familiarizadas com a leitura. Depois dessa longa trajetória, ele finalmente chega às telonas em uma grande produção, aproveitando o timing da Páscoa, sob a direção de Will Gluck. É uma pena que a espera não tenha valido tanto e que o novo Pedro Coelho (Peter Rabbit, 2018) seja mais um genérico do cinema de animação básico do que uma boa introdução ao universo encantado de Beatriz Potter. 

Gluck não possui a delicadeza lúdica e a sensibilidade idílica das fábulas de Potter, mas sim o imediatismo cômico e as apelações pobres que hoje sufocam o cinema de animação, como fazer dos seus personagens um bando de fantoches bobocas que se dividem entre macaquices e momentos de fofura calculada para forçar uma empatia com o público. Se há a tentativa de fundamentar as atitudes rebeldes e aventureiras dos coelhos em um sentimento de saudades e carência, tudo se afunda em frases feitas e clichês manjados para todo o filme família que existe. Não há nada de verdadeiramente autêntico ou sensível neles, apenas uma abordagem superficial e reciclada. 

A interação entre atores e personagens animados, tecnicamente falando, é o ponto alto do filme de Gluck. Os efeitos especiais de ponta garantem uma dinâmica de muita correria e ação de impressionante realismo e beleza plástica. Não há qualquer cena em que os efeitos computadorizados se denunciam ou transparecem, e os atores se mostram à vontade, o que nem sempre ocorre nessas interações digitais. As belas passagens em flashbacks, em que a técnica manual de animação que evoca as ilustrações dos livros infantis originais se revelam, são o ponto máximo de aproximação que Gluck conseguiu estabelecer com o universo original de Peter Rabbit, mas são poucas dentro de um todo sem muita inspiração. 

Talvez o maior incômodo em todo o filme seja o uso desenfreado de uma trilha sonora pop, uma desculpa para os personagens entrarem em coreografias engraçadinhas em canções que com certeza terão apelo com o público, mas que não têm nada a ver com o universo rural e isolado do interior londrino, onde grande a maior parte da história se passa. Sequências como a da festa da bicharada na casa do Sr. McGregor, que remonta um tipo de bebedeira universitária em um filme teen, são de uma grosseria gigantesca que nem com o público infantil talvez funcione. 

Por fim, o roteiro cansa rapidamente do núcleo dos coelhos e logo se volta a uma comédia romântica clichê entre os personagens de Rose Byrne e Domhnall Gleeson, que felizmente têm muito carisma e boa química. Acabam assumindo o protagonismo da história e logo Peter Rabbit vira a mascote engraçadinha e coadjuvante do próprio filme, traindo a ideia de um universo filtrado pelo olhar dos bichos e reduzindo o alcance da moral pró meio-ambiente. O resultado é apenas a apropriação do esqueleto da história de Potter, que se preenche com todos os vícios que hoje sabotam boa parte das animações americanas. Talvez fosse melhor se Walt Disney o tivesse salvado disso quando pôde. 

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