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Críticas

Cineplayers

O sonho de um homem ridículo.

5,0
No enredo de Pequena Grande Vida (Downsizing, 2017), novo filme de Alexander Payne, a ciência descobre uma maneira brilhante de minimizar os estragos do homem ao meio-ambiente e dessa forma salvar o planeta e a raça humana. Através de uma tecnologia capaz de diminuí-lo ao tamanho médio de 12 centímetros e colocá-lo para viver em mini-cidades com excelentes condições de vida e insignificantes índices de poluição, é possível também aproveitar o embalo e oferecer ao homem de classe média comum a chance de finalmente alcançar o inalcançável sonho americano da casa própria, carro do ano, família perfeita e conforto financeiro. 

Autor costumeiro de personagens em crise com seus próprios sonhos e ambições e observador satírico das instituições afundadas na hipocrisia americana, Payne centraliza agora em Paul Safranek (Matt Damon) a ideia do homem engolido por esse meio, literalmente diminuído e resumido a um mero fantoche que abre mão de sua própria integridade em busca da chance de finalmente alcançar a suposta felicidade e plenitude vendidas nos anúncios de jornal e TV. Mas o conflito permanece, pois Paul não é simplesmente um americano capitalista – ele é um americano capitalista com senso de culpa, sendo capaz de perceber, ainda que a contragosto, o horror daquela ideia vendida como tão cheia de boas-intenções a favor do planeta e da vida. 

Pequena Grande Vida tem um argumento muito divertido que parece saído da mente de algum membro do Monty Python, e na sua primeira hora o explora sempre com muito bom humor e uma direção inspirada. Sempre em planos inteligentes que valorizam a discrepância de tamanhos entre os homens normais e os encolhidos, as imagens de Payne falam por si só e provocam risadas sem precisar de uma única palavra, expondo todo o ridículo da situação levada tão a sério pelos cientistas e vista como ideal pelos consumidores. Expandindo todas as possibilidades, ele inclui questões sociais como as dificuldades de adaptabilidade dos “encolhidos” no mundo dos “normais”, o preconceito de um lado para com o outro, implicações políticas e financeiras, o impacto na segurança das fronteiras entre os países, etc. Atingindo todas as esferas sociais, o diretor brinca bastante com sua história maluca em um primeiro momento. 

A partir da segunda hora, passado o deslumbramento com o novo universo inventado, Pequena Grande Vida de repente se transforma em um filme diferente – e pior. A questão ambiental, que até então era usada como desculpa moral para a execução de um negócio puramente capitalista e nada preocupado com o meio-ambiente e qualidade de vida, logo passa a ser levada tão a sério pelo roteiro que qualquer vestígio de humor some e entra uma abordagem sentimentalóide e panfletária. Uma vez dentro de uma dessas mini-cidades, Paul se desilude ao descobrir algum tempo depois que lá também existe desigualdade social, pobreza, miséria e sofrimento. Ao conhecer uma ativista vietnamita que perdeu a perna e atualmente trabalha como empregada doméstica e ajuda comunidades carentes na periferia daquele mundo não-tão-perfeito, ele percebe que trocou seis por meia dúzia e que isso lhe custou o casamento e a própria identidade. 

A conclusão estaria implícita nessa situação, mas Payne inexplicavelmente abre mão de todo o humor mordaz e de toda a irreverência e abre espaço para um roteiro esquemático, maniqueísta e superficial em todas suas considerações panfletárias de conscientização sobre a destruição do planeta Terra. Uma trilha sonora melosa e insistente também entra subitamente em cena para tentar conferir algum peso dramático, mas a partir desse ponto nada convence e a obra vai se descaracterizando até perder de vez sua autenticidade. Soa como uma auto sabotagem, como se o próprio filme caísse na armadilha e se revelasse tão pueril e ingênuo quanto aquele Paul do começo, acreditando piamente na possibilidade de um mundo “melhor” e mais “justo” que somente o capitalismo poderia (?) oferecer. 

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