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Críticas

Cineplayers

Violento filme de gângster inglês é também um clássico do cinema psicodélico dos anos setenta.

8,5

Performance é um raro filme underground bancado por um grande estúdio (a Warner), que esperava uma obra paz e amor divertida como os filmes dos Beatles, mas que depois de pronto sempre o teve na conta de uma obra maldita, com mais problemas do que compensações (dois anos engavetado, sucessivas remontagens e mutilações, censura e proibição em diversos países, classificação pornô nos Estados Unidos, etc). E também é desafiador em sua essência, na própria estrutura, pois são dois filmes dentro de um só. Mas vale ressaltar que são dois filmes muito bons mesmo. A confusão já se anuncia desde a cena de abertura, que vai intercalando o vôo de um foguete, um carro em alta velocidade e um casal transando com voracidade. Desde ai Performance anuncia que não veio para explicar, mas para confundir.

A primeira metade é um violentíssimo filme de gângster, com um deles (Chas, James Foxx) jurado de morte e tratando de se safar de seus comparsas para abandonar o mundo do crime. Uma sinopse igual a diversos outros filmes policiais, mas em Performance o buraco é bem mais embaixo. Se já não bastasse o realismo de paredes borradas de sangue, espancamentos, agressões, torturas, tiros e truculência que remetem mais a um Cães de Aluguel do que propriamente aos filmes que eram realizados naquele período, Performance abusa de cortes bruscos, flashbacks, justaposições de tempo e de espaço em detrimento de uma estrutura mais linear, fatores que contribuem para torná-lo (de acordo com muitos críticos) o melhor filme de gângster do cinema inglês.

Mas o filme é claramente dividido em duas partes, e antes de chegar à metade, ocorre uma guinada repentina na narrativa, quando Chas por vias completamente tortas se refugia na mansão de um roqueiro recluso e decadente (Mick Jagger), que busca recuperar seu talento e sucesso. A narrativa policial é definitivamente abandonada para contar a metamorfose que culmina no ponto alto do filme, com Jagger cantando “Memo from Turner” para Chas, após uma jornada regada por orgias e consumo de drogas, acompanhados das concubinas do roqueiro: Pherbe (interpretada pela modelo Anita Pallenberg), uma partner loura, gostosa e esperta, e Lucy (a francesa Michele Breton), adolescente, andrógena e calada, que mais parece um menino.

Ao mesmo tempo em que há um choque entre o estilo de vida ao qual o gângster estava habituado em contraste e confronto com o habitat em que vive o roqueiro, o primeiro fica completamente perturbado pelo comportamento lascivo do segundo. O convívio faz crescer o fascínio de Chas ao ponto de sua personalidade esvair-se, literalmente sugada pelo roqueiro. Inspirado em “Desespero”, de Vladimir Nabokov, o roteiro tem toques borgeanos confessos em torno de conceitos como crises de masculinidade e identidades que se esfarelam em um quebra-cabeça quase labiríntico. Na época do lançamento, a relação dos personagens chegou a ser comparada por alguns como uma versão masculina de Persona situada na Londres dos anos 60.

Por outro lado, Performance marcou a estréia na direção de dois profissionais que já atuavam em outras áreas no cinema: o roteirista Donald Cammell (responsável sobretudo pelas idéias de Performance) e o já consagrado como fotógrafo Nicolas Roeg (que seria decisivo no tratamento de imagens no filme). Uma rara parceria na direção que rendeu um grande fruto, a dupla dirige Performance com o entusiasmo dos que experimentam pela primeira vez sem medo de arriscar ou perder reputação. Roeg dirigiria mais alguns grandes filmes nas duas décadas seguintes, para depois desaparecer quase sem deixar vestígios. O caso de Cammell foi bem mais dramático. Demorou sete anos para lançar um segundo filme (o curioso e interessante Geração Proteus, com Julie Christie), mas não conseguiu tocar a carreira de diretor, suicidando-se já sexagenário nos anos noventa, pouco depois de seu último filme ser arrancado de suas mãos e remontado pelo produtor (o polêmico Wild Side, mais famoso pela cena de lesbianismo entre Anne Heche e Joan Chen). O ponto alto na carreira de cada um de seus diretores é mesmo Performance. É de dar nó no cérebro, merecendo ser conferido mais de uma vez, mas sempre muito, muito prazeroso de se ver e reassistir.

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