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Críticas

Cineplayers

“O homem é uma praga!”

8,5

Houve uma época para o cinema americano em que trabalhar com ficções-científicas não se tratava apenas de inventar histórias grandiosas ou jogar na tela efeitos especiais impactantes, embora isso também pudesse ocorrer. A origem desse gênero na literatura, por exemplo, visava algo muito maior do que apenas atrair um público sedento por teorias conspiratórias. A grande sacada na hora de criar uma trama em volta desse estilo era o poder ilimitado que o autor adquiria em um mundo onde ele mesmo podia inventar as regras. Afinal, gêneros como ficção-científica e fantasia permitem ao criador fazer o que bem entender sem se preocupar com a lógica da realidade e, mais importante de tudo, transmitir o que bem entender. No caso de diretores e roteiristas, ter esse poder era essencial na hora conseguir driblar a censura e expor em suas obras uma mensagem de impacto não apenas visual. Ciente disso, Franklin J. Schaffner e seu famoso Planeta dos Macacos (Planet of the Apes, 1968) vieram não apenas para abalar o cinema no sentido puramente comercial, mas também para usar sua arte em prol de algo muito maior – criticar ferozmente o ser humano e a guerra.

Rodado em 1968 em plena Guerra Fria, Planeta dos Macacos tinha um objetivo bem claro para seus autores, mas não para o público em geral. Adaptado da obra homônima do francês Pierre Boulle, o roteiro foi quase que inteiramente montado a partir de idéias bem pesadas e um tanto fora de foco para a proposta do cinema que começava a emergir no fim da década de 1960. Os efeitos visuais, a ação e a inventividade ganhavam força das idéias propagadas pelas corridas armamentistas e espaciais, e agora para um filme fazer sucesso comercial era inteiramente necessário o uso desses recursos. Foi então que a ficção-científica ganhou um espaço diferente e maior entre as produções americanas. Saindo do terreno das premissas trash de monstros descontrolados e explosões nucleares (influências da Segunda Guerra), o gênero passava a se enveredar pelo espaço sideral e pelas guerras nas estrelas. Tudo era ainda muito novo e empolgante, e Planeta dos Macacos deu o tiro de largada para as idéias estourarem, influenciando uma onda de novos cineastas que viriam a usar e abusar delas (entre eles um tal de George Lucas).

O que ninguém conseguiu perceber em um primeiro momento foi a intenção por trás de tudo isso. Sim, havia muito efeito especial para agradar ao público, mas sua força se encontrava em outros atributos. Não perdendo a oportunidade de simplesmente detonar a imagem de herói do governo americano, Schaffner alcançou um sucesso comercial enorme através de uma obra que ia contra tudo aquilo que era pregado pela política estadunidense. Debaixo do nariz de sua própria nação, ele criticava não apenas as guerras, mas também a irracionalidade que havia por trás delas no ser humano. Em um filme intitulado de Planeta dos Macacos, é a raça humana que ganha um destaque maior, e não à toa.

Mas o que há de tão feroz por trás de uma aparentemente comum diversão? Logo na sinopse podemos descobrir um primeiro indício. Tudo gira em torno de um grupo de astronautas que acaba aterrissando em um planeta desconhecido, no ano de 3978, habitado por macacos inteligentes que escravizam e fazem experimentos com seres da raça humana. Dos três tripulantes, apenas um consegue escapar das garras destes símios e agora tem a difícil missão de descobrir que lugar é aquele exatamente e que segredo está por trás de tudo aquilo.

Para começar, temos uma situação no mínimo estranha. Os animais sendo retratados como civilizados, enquanto o homem é mostrado como um bicho irracional a ser analisado é algo que nos faz pensar. Depois, temos a reação dos personagens terráqueos diante de uma tão bem estruturada sociedade, regida por símios de inteligência muito acima do comum. Antes da aterrissagem, o protagonista Taylor (Charlton Heston) já se mostra preocupado com sua própria raça – “acredito que em algum lugar do universo deve haver algo melhor que o homem”, diz ele – e a princípio fica pasmo com a disciplina e civilidade que encontra em novas terras. Que surpresa é quando percebe ser uma ameaça para aqueles primatas, que aparentemente escondem um segredo muito importante que pode ser desvendado por ele.

Os momentos de tensão são constantes, o que talvez realce a seriedade que se encontra na mensagem latente nas entrelinhas. Os ângulos pelos quais Schaffner posiciona sua câmera são tão assimétricos que acabam contribuindo para estabelecer uma sensação de perdição e caos no espectador, facilitando assim uma empatia com o protagonista igualmente confuso. Aos poucos o diretor vai endireitando sua câmera, na mesma medida que as coisas vão se esclarecendo, e tudo vai ficando cada vez mais difícil ainda de aceitar. Seguindo essa técnica narrativa curiosa, é impossível não ficar estarrecido diante da revelação bombástica das cenas finais, mesmo que agora a tensão tenha se esvaído e a tela esteja em correta posição. Ou seja, o texto e a imagem vão se revezando na função de nos prender em uma trama que vai ficando mais complicada conforme é desvendada.

Fãs de carteirinha, filas quilométricas, convenções anuais e reapresentações constantes em mostras de cinema são apenas alguns dos resultados do sucesso desta produção. Foi um dos pioneiros a alcançar tamanho frenesi e serviu de inspiração para inúmeras adaptações para televisão, continuações e refilmagens. Nenhuma delas foi tão incisiva e significativa para o cenário cinematográfico e até mundial como foi a obra original. Além de ter servido também como precursor do nascimento do cinema contemporâneo americano, continua até hoje servindo de referência no gênero e mantém em torno de si uma aura de intocável que poucos conseguem construir.

Planeta dos Macacos, apesar de nos propor entretenimento, é um tipo de cinema que alça vôos maiores. Ele assume a função de denunciar, de expor, de cutucar e de refletir. Mais do que corriqueira diversão, sua mensagem é tão pertinente que o tempo não foi capaz de torná-la obsoleta. Talvez seja datado em seu visual, mas seu texto envelheceu sem perder o valor e pode muito bem ser aplicado ao mesmo governo americano, ao mesmo ser humano e à mesma irracionalidade. Se for verdade que a passagem dos anos é a maior prova de qualidade de uma ficção-científica, então estamos diante de um grande exemplar do gênero.

Comentários (15)

Cristian Oliveira Bruno | segunda-feira, 02 de Dezembro de 2013 - 14:06

Clááááááááááááássico!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

Landerson DSP | terça-feira, 22 de Julho de 2014 - 19:04

Mesmo sabendo o final do filme, é impossível não ficar aterrorizado com ele. Uma das maiores mensagens anti-guerra do cinema.

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