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Tragam-me a cabeça do gringo.

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O filme de estreia de Adrian Grunberg, que já havia trabalhado como assistente de direção de Mel Gibson em Apocalypto (idem, 2006), não é uma obra exatamente ruim, pura e simplesmente, e sim – entre outras coisas – refém das limitações que geralmente são imanentes a muitos primeiros trabalhos e à vontade de ser algo, mas sem ter como. Grunberg carace daquela malícia que só os gênios ou então aqueles realizadores bastante experientes têm, e isso muitas vezes salta à vista durante a projeção.

Em Plano de Fuga (Get the Gringo, 2012), Mel Gibson interpreta um sujeito, ladrão mais que profissional, que depois de passar a mão numa bagatela de cerca 2 milhões, é preso na fronteira entre EUA e México. Logo, ele é levado a uma prisão mexicana, que mais parece uma cidade à parte, pois lá, além dos detentos, encontramos mulheres e seus filhos, divisões sociais e até mesmo um negócio imobiliário liderado por Javi (Daniel Giménez Cacho), o grande chefão, aquele que é respeitado por todos e que cumpre sua pena gozando de diversas regalias. Tentando adaptar-se ao lugar, o “Gringo” começa a fazer aquilo que mais sabe: roubar. Em pouco tempo, conhece um garoto de 10 anos (Kevin Hernandez) com quem inicia amizade e que daí em diante o ajudará com informações preciosas sobre aquela sociedade ali formada.

A primeira coisa que vemos em Plano de Fuga é a imagem de um cachorro e, logo em seguida, a de um homem guiando uma carroça. Mas não demora para que naquela região seca e com muita poeira surja o contraponto a esses primeiros elementos exibidos. Trata-se da primeira tentativa de Grunberg de preencher o tempo de seu filme com alguma cena teoricamente estimulante, algo que, mesmo com a inserção de algumas outras (cenas) onde o ritmo mais ágil parece ser tudo, só irá se repetir com considerável sucesso durante os 25 ou 30 minutos finais. Nesses momentos iniciais, assistimos a uma perseguição policial, na qual estão envolvidos dois ladrões com máscaras de palhaço, um deles com hemorragia interna e vomitando sangue sobre as notas que acabaram de roubar. O carro dos perseguidos capota, o palhaço ferido morre, o motorista é desmascarado e o resto já foi contado no parágrafo anterior.

Durante alguns minutos, o filme se limita quase que inteiramente à apresentação da feia e suja cadeia e à voz em off do protagonista, que nos passa algumas informações essenciais. Daí pra frente, Grunberg erra, e com certa frequência, pois a maquiagem de que dispõe para disfarçar certos problemas não é suficiente para todas as situações. Da primeira hora, talvez, o maior destaque seja a cena da trocas de tiros em câmera lenta, onde a personagem de Gibson consegue a façanha, que chega a ser engraçada e exagerada, de sair correndo em direção a uma granada para catá-la ainda no ar e devolvê-la para quem a atirou. Não sei, todavia, se um mestre do recurso como Sam Peckinpah aprovaria.

Nas camadas menos superficiais do filme, contudo, o já parceiro de “longas datas” de Mel até que manda bem, especialmente quando realiza aproximações bem funcionais com o western: homem sem nome que chega a uma terra onde – quando não é um renegado do próprio lugar que como um fantasma ressurge – é simplesmente um indesejável estrangeiro; o poder capital passa a ser ameaçado pela presença do forasteiro; mulheres e crianças – cedo ou tarde – cedem ao lado carismático desse herói; e existe um momento em que para ambos os lados uma aliança é a melhor alternativa. Há ainda, lá pelas tantas, o uso do nome de Clint Eastwood; isso sem falar de seu título original, que de imediato nos traz à consciência aqueles da famigerada vertente spaghetti.

Retomando, porém, o que é de fato essencial, é importante destacar que Get the Gringo tem por volta de 60 minutos de exatidão de formulário. Grunberg não deixa fios soltos, pois o choque poderia ser fatal. Entretanto, sentindo o insuportável peso que é camuflar de artifícios um filme que sem muitas dificuldades se resumiria a – talvez – metade de sua duração, ele acaba cedendo e buscando na meia hora derradeira compensar com uma sequência de cenas que, diferentemente das que assistimos até então, realmente podem nos fazer mover pelo menos um músculo facial. Esses momentos mais intensos coincidem com a saída do protagonista da cadeia, o que parece empurrar por água abaixo boa parte da força que emana deste que é o principal palco do filme. Essas cenas são bem calculadas, concebidas perfeitamente para nos livrar de certa frouxidão que acompanha algumas curvas e irregularidades a que somos submetidos durante boa parte da narrativa. É aí onde ocorre uma sutil, mas importante, mudança de tom: porque em 2/3 de projeção temos um ritmo, que não me agradou tanto, e na etapa remanescente o filme, invertendo consideravelmente esse tom, coloca a cabeça pra fora e brada que existe.

Para elucidar o que digo, cabe lembrar as palavras do crítico André Setaro: “O realizador que tem timing faz com que seus filmes deem a impressão de que um fio elétrico de alta tensão está inserido na estrutura narrativa. Mesmo em momentos de calmaria, há sempre uma expectativa de que algo possa acontecer.” É exatamente isso que não sinto em Plano de Fuga. Até que o diretor, com seu ritmo ágil, tenta alcançar isso, mas o que havia para ser filmado era pouco e ele não soube extrair daquilo nem mais um fiapo de possibilidade – o que, por conseguinte, não pôde fazer com que esperasse nada além de um ainda mais desgastante ato final. Timing, portanto, não é só a equação perfeita que concebe cenas literalmente agitadas, ou algo do tipo, e sim o compasso que faz com que nos entreguemos ao que se coloca diante da gente, seja na exaltação ou na serenidade. Deixando aquilo que alguma maneira pode ser aproveitável para o final, Grunberg simplesmente tenta nos iludir com alguns minutos de pequenos êxtases, tática muito malandra e costumeira que geralmente esconde desajustes narrativos.

O que resume esse debute é, antes de qualquer coisa, a falta do que dizer. Se o observarmos bem, constataremos que seus problemas de pique muito se aliam à escassez do que filmar, porque não há muito a ser transmitido ao espectador, quase todas as cenas mais atraentes da história se concentram em sua última meia hora e tudo que precisamos conhecer já está metodicamente disposto na primeira parte. Assim fica difícil manter o fio condutor. É como ter 2 horas para fazer um pornô sem cortes. Mas como Grunberg é esperto, buscou segurar as pontas e não se tornou inteiramente exaustivo, pois, do contrário, meteria de vez o pé na jaca. O jeito foi tentar ocupar pelo menos uma hora com alguns ornatos que jamais falham com a maioria do público: momentos de inegável habilidade de Gibson; uma explosão aqui, um tiro acolá; uma piada sem compromisso de vez em quando; umas sacadas típicas de filmes de gênero e mais um punhado de coisas que não precisam ser citadas aqui porque identificá-las é tarefa fácil para qualquer espectador. Tudo isso, claro, está aliado a uma montagem que não foge à regra. Assim sendo, ao contrário do que parece, Plano de Fuga não é algo completamente descartável. Para muitos a sessão certamente será compensadora, apesar dos desmantelos.

Comentários (6)

Liliane Coelho | sexta-feira, 25 de Maio de 2012 - 10:53

Divertidão; roteiro clichê, mas legal.

Aexandre Mello Costa | domingo, 26 de Agosto de 2012 - 13:52

Por Que essa cristica tão longa e desnecessária. OS criticos querem na verdade mostrarem como são intectuais, como escrevem bem, como sabem contruir uma narrativa. Tudo que David Campos escreveu em oito longos paragráfos, poderim ter sido muiot bem descrito em apenas um. As vezes o pouco é muito. E o muito significa muiot pouco. Por favor David Campos não me leve a mal. Não estou fazendo uma critica especificamente ao seu trabalho, apenas usei seu longo texto como exemplo. Outros colegas do Cine Players seguem essa mesma linha de raciocinio. E na boa prefiro ver o filme do quer ler uma critica interminável como a sua. Pense nisso.
Um abraço !

Rafael M. de Oliveira | quinta-feira, 13 de Setembro de 2012 - 08:28

Bem divertido. A parte em que ele se passa por Clint Eastwood é impagável.

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