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Críticas

Cineplayers

Um filme que vai contra todos os méritos do original. Mais uma refilmagem desnecessária e mal feita.

1,0

Quando, em 1972, saiu nos cinemas O Destino de Poseidon, fora classificado como um thriller de ação, mas havia algo de diferente nele; trabalhando numa lógica de microcosmos, tínhamos um grupo de personagens enfrentando uma situação adversa, cujos laços entre eles eram apenas tão fortes seus instintos de sobrevivência, lutando não contra uma pessoa física, ou um grupo de pessoas ou seres, mas contra a situação e contra o tempo, dentro do confinado e ameaçador universo de um navio afundado por um acaso natural, funcionando como um deus-ex-machina a testar a sorte dos protagonistas e a força de vontade de escapar. Nascia o cine-catástrofe.

Não só esta nova fórmula foi uma bem-vinda mudança para os thrillers, como rendeu ao estúdio 42 milhões de dólares em locação apenas; querendo lucrar tudo isso de novo com uma geração adversa a filmes antigos, mas que potencialmente se interessaria pela premissa, os produtores liberaram verba para fazer esta perversão do filme clássico. Mas engana-se quem acha estar levando mais do mesmo: Poseidon (2006) também se foca tão e exclusivamente no navio como o personagem principal, evitando estender a história para fora daquele ambiente, e acaba por aí as semelhanças com o filme original, bem como os méritos deste.

Praticamente tudo que transformava o original em um grande filme e uma ótima diversão foi retirado, deixando apenas uma roupagem levemente parecida. Não que este tente modificar a história, muito pelo contrário, todos os eventos são iguais ou muito parecidos, a seqüência das cenas, tudo seguindo o manual de criatividade-zero das refilmagens, apenas ‘adaptando’ a trama ao contexto atual e ao espectador atua, que – de acordo com os produtores – parece ser bem mais idiota que há 30 anos atrás. Os efeitos especiais, brilhosos e artificiais demais, nos fazem perguntar como conseguiram gastar 30x o orçamento do filme original e conseguir um resultado pior, mas diante de tantos defeitos do filme, este passa quase desapercebido.

Em O Destino de Poseidon, as situações de desespero eram causadas, em grande parte, não pela adversidade em si, mas pelo eclético grupo de personagens que tentava escapar juntos da desgraça. Aqui, eles são substituídos por um grupo de jovens atletas, cujos únicos membros que distoam são um sujeito cinquentão que era bombeiro, um velho arquiteto que aparenta estar na sua melhor forma física e um garotinho de 10 anos – não surpreendentemente o mais esperto de todos. Acabou também qualquer companheirismo e união que os personagens tinham, aqui é cada um por si, de preferência ainda dando uma rasteira em quem estiver na frente.

No original, quando o navio vira, há uma discussão entre os passageiros no saguão para saber o que fazer, entre aqueles não queriam fazer nada, os que já haviam perdidos as esperanças e os que queriam lutar para sair dali, resultando na tensa cena da árvore de natal; em Poseidon, afim de criar um grupo de personagens o mais antipáticos possível, atitudes como a do reverendo Frank de tentar convencer a todos que a melhor saída era permanecerem unidos e tentarem escapar é inadmissível, preferindo o grupo dos ‘espertos’ a saírem sorrateiramente, deixando os outros passageiros que seguiram a cartilha dos comandantes do navio a serem premiados com uma morte lenta e angustiante – e é curioso no mínimo que depois, o grupo que escapou fique se lamentando ao ouvir os gritos de desespero dos que ficaram pra trás.

Além, é claro, de certas convenções do cinema catástrofe moderno que não poderiam faltar, como os personagens que estão lá apenas para morrer tragicamente e outros que estão lá apenas para atrapalhar nos momentos mais inoportunos, como o espoleta garotinho Conor, que, em certa hora, se desprende da mãe (outra vez) e acaba entrando não sabe como (lógico) numa sala e fica preso lá dentro, justamente (quem diria!) quando eles estão prestes a escapar. Assim como o final, que tenta imitar o drama do original, mas que acaba apenas copiando o dilema insosso de Armageddon, de tão mal construído só nos resta perguntar se alguém realmente caiu nessa jogada tosca de roteiro e se importou com personagens dos quais não sabemos nada.

Aliás, sabemos alguma coisa sim, já que eles aproveitaram a única situação realmente tensa do filme para engajar numa discussão boba sobre costumes de casamento. Nem o próprio navio escapa da impiedosa mutilação da refilmagem: ameaçador e inóspito no original, aqui feito com a mais alta tecnologia para que tudo seja inflamável, e nos faz perguntar o porquê dos personagens andarem carregando lanternas, já que todos os ambientes são muito bem iluminados, mesmo submerso. A única coisa que talvez assuste são as pilhas de mortos, importadas diretamente de um filme do George Romero.

Todo estruturado como um videogame de aventura nos moldes de ICO e Prince of Persia, a cada novo cômodo a câmera dá um travelling mostrando o caminho a ser seguido até a reta final, bem como as adversidades do local. O que não seria de todo mau, fossem as situações verdadeiramente interessantes e inventivas. No final das contas, que saiu pior na história foi o diretor, Wolfgang Petersen. A culpa do filme é bem mais de roteiro, de atuação e de produção do que propriamente da direção, que faz o que pode para não estragar ainda mais; mas, aos olhos da História, ele que vai sair como o culpado por ter cometido esta aberração. Se bem que, depois de Air Force One, ele já deve estar acostumado.

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