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Possuídos

(Bug, 2006)
6,6
Média
145 votos
?
Sua nota

Críticas

Cineplayers

Esquizofrênico como um filme de Terry Gilliam, Possuídos proporciona uma deliciosa viagem a seus espectadores.

7,0

Baseado em uma peça teatral, Possuídos é um daqueles filmes do tipo “ame-o ou deixe-o”. É bem fácil encontrar membros da crítica e do público trucidando este novo trabalho do diretor William Friedkin (que dirigiu a obra-prima policial Operação França e o famoso O Exorcista, em sua versão original). Ao mesmo tempo, é bem fácil encontrar pessoas que vêm tecendo elogios ao filme. Uma obra dúbia, sem dúvida, e principalmente não muito fácil de ser compreendida. O que Possuídos (outra tradução brasileira medíocre de um filme estrangeiro) não é, de forma alguma, é um suspense ordinário. Se você espera tensão e medo, você vai sim encontrar esses elementos no filme, mas não da forma clichê que vemos em thrillers medíocres. Vamos, então, a uma análise mais detalhada dos fatos.

Possuídos passa-se quase que inteiramente dentro de um quarto de hotel, o que não é uma surpresa quando se conhece a origem teatral do roteiro. Nesse quarto vive Agnes (Ashley Judd em um papel, no mínimo, bastante difícil), que conhece, através de sua amiga homossexual R.C., Peter, um sujeito de poucas palavras que acaba passando uma noite no tal quarto. Meu objetivo aqui não é traçar em detalhes o que acontece a partir daí (para isso, basta procurar pela sinopse do filme em um lugar qualquer), principalmente pelo fato de que, para fazer isso, seriam necessários alguns parágrafos (iria ficar muito cansativo para você ler) e, sinceramente, não há uma única explicação para os acontecimentos. E é aí que Possuídos começa a mostrar suas boas qualidades.

Sem entrar em grandes detalhes do enredo, posso dizer que o filme pode ser intepretado de duas formas diferentes: da forma mais literal possível (tudo o que houve era, de alguma forma, realidade) ou como uma grande viagem mental (estava tudo na cabeça dos personagens). As duas perspectivas são plausíveis; as duas perspectivas possuem pontos fortes e, principalmente, as duas perspectivas possuem muitas perguntas sem respostas. Por isso não estranhe se ao final do filme você tiver a sensação de não saber se gostou ou não do que viu. Muitos diretores fazem isso. Deixam o público sem resposta para tudo. Às vezes isso é bom, outras não. Depende muito do espectador e até mesmo da boa vontade do espectador. Aqui, considero que tenha sido a saída ideal para o roteiro. Explicar tudo o que houve teria sido banalizar os fatos.

O melhor de Possuídos, então, não é exatamente seu final ou as explicações que podem ser dadas em relação a ele. É a viagem que o filme proporciona. Naquele quarto mal-arrumado acontecem muitas coisas interessantes e momentos verdadeiramente inspirados. A sensação de desconforto dura quase o tempo todo, mas é uma sensação boa, que nos coloca juntos aos personagens, fazendo-nos vivenciar, de certa forma, seus próprios sentimentos. Isso dá uma força enorme a Agnes e Peter. Sendo assim, quando o filme chega a seu clímax, as atitudes de ambos ganham enormes proporções. Mas isso somente graças ao desenvolvimento muito bom da história.

A atriz responsável por encabeçar isso tudo é Ashley Judd. Devido à natureza totalmente anti-comercial do longa-metragem, não há chances para ela em premiações grandes, mas que fique registrado seu excepcional trabalho. Peter permanece quase que um total mistério o filme todo (afinal não há como saber se ele era um louco realmente), e o ator Michael Shannon possui uma passagem particularmente notável dentro do filme, e certamente bastante complexa, quando ele começa a ter espasmos por conta dos insetos que tomaram conta de seu corpo (sejam eles reais ou não). O filme possui apenas mais dois atores principais – Lynn Collins (R.C., um tanto quanto artificial em cena) e Jerry, que desempenha papel secundário mas fundamental dentro da trama. Foi interpretado por Harry Connick Jr., em atuação que expõe mais o seu corpo do que sua capacidade de interpretar sentimentos.

No mínimo, o filme vale pela experiência diferenciada. A sensação que tive em muitos momentos foi a de estar assistindo a um novo trabalho de Terry Gilliam, dado o nível de esquizofrenia de seus personagens. Possuídos proporciona uma das experiências mais interessantes do ano e, sem querer ser um filme feito para agradar a espectadores mentalmente limitados, desperta sensações quase que alucinógenas em quem consegue “entrar” na história. Ali, naquele pequeno quarto, William Friedkin voltou a se mostrar um bom diretor, criando uma atmosfera magnífica para tudo. O filme só não é melhor pois ainda há uma certa aura hollywoodiana, carecendo de sujeira e realismo em certos momentos. Apesar da natureza trágica dos eventos e da locação em que foi filmado, é tudo muito limpo. Isso, contudo, é insuficiente para fazer Bug (o nome original é muito melhor) sujeitar-se a críticas negativas maiores. Não é sobre monstros ou insetos, é sobre dois personagens que passaram por uma situação extraordinária. Mais do que recomendado!

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