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Críticas

Cineplayers

Um filme que perde força no excesso de artifícios.

5,0

Em 1976, Brian de Palma fez um dos mais importantes filmes da década e que ainda permanece como um dos mais fortes daquela geração de ouro de 1970. Mais que isso, Carrie, a Estranha já seria um belo filme se tomado como um simples exercício de gênero, mas obviamente vai muito além disso: no microcosmo de Carrie há ali exposta toda uma lógica de sociedade que solapa as singularidades, empurrando tudo que não é uníssono para o limbo social e existencial. E seu desfecho de alguma maneira alerta e antecipa metaforicamente o que a partir da década de 1990 se tornou uma realidade corriqueira nos EUA, em vários países do assim chamado mundo desenvolvido e, infelizmente para nós, agora também presente no Brasil. 

We Need To Talk About Kevin, da inglesa Lynne Ramsay, é mais um filme a tocar nesse fenômeno, porém, com um viés bastante diferente do filme seminal de De Palma e vários outros que vieram a seguir: Ramsay decide por centralizar a ação não na figura do agressor, do agente, mas na figura de sua mãe, vivida pela sempre competente Tilda Swinton, a quem acompanhamos em uma narrativa temporalmente partida, repleta de idas e vindas, bem ao gosto maneirista contemporâneo, cuja afetação excessiva acaba por diminuir bastante a força de seu impacto – mas me adianto.

Como explicar o inexplicável? É muito interessante a escolha pelo foco em Eva, mãe de Kevin. Escurraçada pelos vizinhos por ser a mãe de um pária, Eva tentará seguir com o que resta de sua vida, enquanto vemos, de forma narrativamente estilhaçada, seu percurso até chegar ali, do namoro com Franklin (John C. Rilley em seu habitual registro loser) à gravidez, passando pela infância e adolescência de Kevin e culminando no ato final. Todo esse percurso é marcado por uma profunda ambiguidade no que tange à relação de mãe e filho, marcada por um constante estranhamento entre ambos, como se tivessem grande dificuldade em sentir o que deles se espera: uma mãe amar seu filho e vice-versa é algo supostamente natural, mas o que temos aqui é uma zona cinzenta e indefinida, onde serão construídas as melhores cenas do filme.

Porque elas existem, apesar da irritante afetação estilística, da montagem excessivamente frenética, que parece querer criar, a fórceps, emoções que seriam muito mais verdadeiras e intensas se geradas mais pela cena e menos pelo artifício - não por acaso são justamente as cenas menos excessivas as mais marcantes, quando se constrói o estranhamento entre Eva e Kevin pela presença incômoda dos corpos num mesmo espaço, pela sutileza dos gestos, contrições e omissões, trabalhados com muito rigor e talento tanto por Tilda quando por Ezra Miller, em impressionante registro.

Enfim, mães são obrigadas a amar seus filhos sob todas as coisas? Existe o mal em si? Há culpados para casos como esses? São questões que o filme levanta, em alguns momentos inclusive com competência, mas não dá conta de sustentar seu peso, que esvanece em seus artifícios.

Comentários (2)

Paolita | sábado, 17 de Setembro de 2011 - 18:47

Não assisti o filme ainda, mas pela crítica, o foco é a narradora, Eva. Adorei o livro, basta agora assistir o filme.

Gian Luca | segunda-feira, 27 de Fevereiro de 2012 - 15:56

A sua opinião é bem parecida com a minha, Rafael, principalmente quanto aos artifícios excessivos do filmes. Só minha nota que foi maior, rs. Gostei muito da crítica!

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