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Críticas

Cineplayers

Mais um filho bastardo e genérico de Bourne.

6,0

Poucos filmes deste início de século tiveram tanta influência quanto A Identidade Bourne (The Bourne Identity, 2002) e suas sequências, trilogia sobre o agente sem memória interpretado por Matt Damon. O personagem humano, a abordagem realista, a câmera inquieta e a crueza das lutas e das cenas de ação orquestradas por Doug Liman – e aperfeiçoadas, logo em seguida, por Paul Greengrass – tornaram-se pré-requisito para as produções do gênero que vieram nos anos seguintes, influenciando até mesmo a reinvenção de James Bond em 007 – Cassino Royale (Casino Royale, 2006). O mais recente filho de Jason Bourne a chegar aos cinemas é Protegendo o Inimigo (Safe House, 2012), que poderia facilmente ser visto como mais um exemplar da série, caso o protagonista fosse substituído e não se levasse em conta esta ser uma realização muito menos competente.

Não que Protegendo o Inimigo seja um filme ruim. É um thriller competente, com bom elenco, cenas de ação eficazes e que atinge seus objetivos de entreter durante quase duas horas. No entanto, é apenas isso. Os personagens não são marcantes, os lugares-comuns transbordam e o estilo é derivativo demais para ser lembrado logo após o término da sessão. Tanto as escolhas do diretor Daniel Espinosa quanto o roteiro de David Guggenheim parecem ter seguido à risca os ensinamentos do gênero, sem acrescentar qualquer centelha de originalidade ou inspiração, o que faz de Protegendo o Inimigo nada mais do que uma produção genérica a ser esquecida dentro de alguns poucos meses (semanas? Dias? Horas?).

Adotando uma fotografia granulada, que dá um visual sujo às cenas, e uma câmera na mão que não para nem mesmo nos momentos mais íntimos entre os personagens, Espinosa busca imprimir uma certa urgência ao filme, tarefa na qual é apenas parcialmente bem-sucedido. Isso porque o recurso, que parece ter virado obrigatório no gênero de ação, já demonstra há tempos sinais de cansaço, causando atualmente mais vertigem no espectador do que realmente atingindo os objetivos do cineasta. O excessivo número de cortes também acaba contribuindo para isso, dispersando a atenção da plateia em diversos instantes e, principalmente, prejudicando a compreensão de boa parte das cenas de ação, que se tornam muito mais caóticas do que propriamente tensas.

Estas, aliás, são presença constante em toda a produção. Não se passam muitos minutos sem que comece uma correria, uma pancadaria ou uma perseguição de carros, o que dá ao filme um ritmo sempre acelerado. Muito disso se deve à estrutura do roteiro, mas Espinosa também tem a sua contribuição, ao utilizar diversas vezes o recurso de adiantar a cena seguinte através de sons ou diálogos, criando um dinamismo sempre bem-vindo em obras do gênero. Por outro lado, o cineasta resvala na obviedade na condução de diversas outras passagens, como ao mostrar o protagonista dando dinheiro a um homem em um restaurante, para no plano seguinte filmar pelas costas alguém com a roupa do personagem de Denzel Washington recebendo um tiro. Espinosa realmente esperava que o espectador não percebesse não se tratar do protagonista?

Mas o grande problema do filme não é a obviedade da direção, mas sim do roteiro de Guggenheim. Protegendo o Inimigo é o típico filme no qual se sabe desde os primeiros minutos o que irá acontecer, desde o desenrolar da relação entre os protagonistas, passando pelo tratamento dado aos personagens coadjuvantes e chegando até a revelação do grande vilão da trama. Para piorar, o texto ainda exige demais da boa vontade do espectador em diversos momentos (a forma como Weston descobre que Frost vai para o distrito de Langa é absurda, por exemplo), enquanto em outros parece apenas não fazer sentido (o personagem de Washington diz que seus perseguidores o querem vivo instantes antes destes tentarem matá-lo). E claro que esperar algum significado maior em um filme reducionista como esse seria exigir demais, mas Protegendo o Inimigo ameaça começar uma discussão mais relevante em uma cena de tortura, quando Weston pergunta se aquilo realmente é legal, mas abandona a busca por um contexto ou uma reflexão nos segundos seguintes, quando se entrega novamente ao tiroteio.

Parecendo disposto a deixar os trabalhos “sérios” de lado para se voltar unicamente ao cinema de ação (vide seus trabalhos recentes com Tony Scott), Denzel Washington interpreta Tobin Frost com a forte presença de sempre, porém no piloto automático. A verdade é que se trata do típico personagem que o ator se habituou a representar: o cara durão de poucas palavras, que os outros temem, mas respeitam. Ou seja, algo que ele tira de letra. É uma pena, porém, que o roteiro ofereça pouco para que Washington faça de Frost alguém interessante; o espectador jamais conhece de verdade quem ele realmente é, o que pensa ou por que se tornou um traidor. O Tobin Frost do início do filme é o mesmo Tobin Frost do final, sem qualquer desenvolvimento ou evolução, como se o roteiro jogasse toda a construção do personagem nas costas de Denzel Washington.

Ryan Reynolds, por outro lado, tem um pouco mais para trabalhar. Matt Weston é o único personagem do filme que passa por algo semelhante a um arco dramático: do novato ingênuo a um agente mais cínico, capaz de compreender que às vezes é necessário sair da linha para fazer o que é necessário. E Reynolds é eficaz ao mostrar essa transformação de Weston, mesmo que o seu rosto transmita um bom-mocismo talvez incompatível com um filme da natureza de Protegendo o Inimigo. Ainda assim, os dois atores funcionam bem juntos e as cenas compartilhadas por ambos são o que a produção oferece de melhor.

Colocando na tela informações sobre horários que nada acrescentam à narrativa, Protegendo o Inimigo é praticamente uma colagem de tudo o que tem sido feito no gênero nos últimos, sem oferecer uma ideia nova ou uma simples abordagem diferente. Ao menos, entretém sem grandes dificuldades e serve como preparação para o novo Bourne que vem por aí.

Comentários (6)

Rodrigo Cunha | sábado, 04 de Agosto de 2012 - 10:59

Concordo, Adriano. Sinto falta de policiais menos pretensiosos assim tb.

Thiago de Oliveira | sábado, 04 de Agosto de 2012 - 12:34

Filme parece que saiu de uma fórmula, segue a cartilha inteirinha - apesar de ser um passatempo ligeiramente bom.

Thiago Cotta | sábado, 04 de Agosto de 2012 - 16:32

Gosto dos filmes do Denzel, até os mais recentes
Incontrolável e O Metro 123 que foram bastante
criticados eu achei divertido.

Rafael M. de Oliveira | sexta-feira, 10 de Agosto de 2012 - 12:59

O treinamento dos agentes da CIA nesse filme é uma coisa espetacular. Até meu primo de 4 anos conseguiria "passar a perna" neles kkk

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