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Críticas

Cineplayers

Trem-fantasma de um monstro só.

3,0
Um caso que se torna cada vez mais comum: como aconteceu com O Babadook (The Babadook, 2014), de Jeniffer Kent, e Mama (idem, 2013), de Andrés Muschietti, o longa-metragem Quando as Luzes Se Apagam tem sua origem em um curta que viralizou na internet. Assim como nos outros casos, o curta de David F. Sandberg rodou o mundo virtual ganhando grande aclamação. Muitas das manchetes dos sites de cultura popular diziam que era o curta-metragem que te daria mais medo do que grande parte dos filmes de horror da atualidade. Como os estúdios pela lógica de mercado sempre estão procurando pela “próxima grande coisa” (o que pode implicar ou não em ineditismo), não demorou muito para que o curta-metragista debutasse em Hollywood. 

Produzido por James Wan, que é quase inegavelmente um dos senão o grande nome do horror no cinema blockbuster hoje em dia, responsável pelas franquias de sucesso Jogos Mortais e Invocação do Mal, o filme cria todo um background para contextualizar o que era a assombração que surgia no escuro e desaparecia na luz do curta. Seu nome é Diana, uma “assombração doméstica” que vitima o pai do garoto Martin quando o mesmo está preocupado com a sanidade mental de Sophie, sua esposa. 

O constante ressurgimento da violenta aparição traz de volta memórias traumáticas de Rebecca, meia-irmã de Martin, abandonada pelo pai e que também teve interações com a assombração quando criança e que tiveram consequências irreversíveis, como um medo terrível de intimidade e com relações mais profunda. Oito meses depois, por exemplo, seu namorado Bret não dormiu em sua casa um dia sequer tampouco sabe de sua família ou mesmo de algum segredo seu. 

As histórias de “assombrações domésticas” são uma tradição no gênero. Desde A Outra Volta do Parafuso, novela escrita por Henry James em 1898 sobre uma jovem contratada como tutora de uma família rica que passa a ser atormentado pelas aparições dos antigos empregados e a forma que afetam a isolada vida das crianças, inúmeras foram as famílias nas mais variadas mídias atormentadas por fantasmas, sobrenaturais ou psicológicos. Várias vezes, refletiram os problemas de sua época, vide o doentio Freddy Krueger punindo os jovens pelos segredos de seus pais e evidenciando o vazio entre gerações em A Hora do Pesadelo (Nightmare on Elm Street, 1984), o passado colonial escabroso voltando ao cair da noite em A Bruma Assassina (The Fog, 1980) ou ainda a desestabilização da estrutura familiar detonada pelo desaparecimento da pequena Caroline em Poltergeist - O Fenômeno (Poltergeist, 1986).

Entendemos a escolha do diretor pela temática, uma vez que o curta baseava-se unicamente em perseguição atrás de perseguição. Chegara então a hora da prova de fogo - como o filme iria se sair em uma história de longa duração? 

Bem, resumindo, em um trem-fantasma de um monstro só. 

Ao mesmo tempo que é uma narrativa calcada no jump-scares - o monstro persegue, some, reparece onde menos é esperado, com a edição de som do filme sempre fazendo questão de incluir um som alto a cada aparição - Quando as Luzes Se Apagam também dedica boa parte do seu tempo na investigação do monstro Diana. Na época do horror blockbuster de cinema não há muito espaço para sutilezas: com a competição cada vez mais acirrada a cada ano por ter novos hits e novos ícones para estampar camisetas, vender action figures ou ilustrar pôsteres, precisamos de cada vez mais Samaras, Jigsaws, Anabelles. 

Então a aparição assim que é introduzida passa a ser explicada antes mesmo de fazer mais vítimas ou enervar mais a família. Em pouco tempo sabemos de seu passado, de suas capacidades, de suas fraquezas. Não há tempo para ter aflição do mal desconhecido quando ele é conhecido em tão pouco tempo. Para uma criatura que surge nas trevas e some na luz, é curioso que nada dela seja mantido no escuro. As informações conseguidas são obtidas numa velocidade assustadora e uma facilidade impressionante (o quebra-cabeça misterioso que envolve Sophie e Diana é explicado em uma tacada só); seus personagens disparam frases de efeito prontas para serem inseridas pelos montadores de trailers; tomam decisões apressadas ao menor sinal de risco e, é claro, lá vem o monstro de novo, pronto para surgir causando uma barulheira digna de louça caindo, jogar os personagens contra as paredes, apagar as luzes por onde passa… Com suas habilidades já sendo explicadas no prólogo que antecede o crédito, o filme começa a soar tremendamente previsível até um final que não surpreende muito. 

Pode-se argumentar que o filme assusta. Algumas vezes sim, mas de tão repetitivo, passamos a conhecer sua estratégia. Sandberg foi um diretor interessante nos três minutos no curta Lights Out, mas em uma hora e vinte revela-se um mágico de truques limitados, onde a plateia já conhece depois dos primeiros dez minutos seu repertório, sua introduções, conduções e conclusões. Os personagens não tem um desenvolvimento emocional satisfatório, ambíguo, cinzento ou mesmo contraditório: quando não está tentando nos assustar, o filme está tentando nos comover com música emocional ou imprimindo tons heroicos para dignificar ou redimir seus personagens de maneira preguiçosa.

O que nos leva a algumas cenas cômicas: já sabemos basicamente tudo o que o diretor vai fazer. Personagem acompanhado? Que ele vá investigar ruídos sozinho. Temos uma panorâmica do monstro perseguindo a vítima e ele aparentemente consegue despistar? Um close com ele aparecendo atrás. O personagem fugitivo conseguiu se isolar em um quarto fechado? Plano detalhe na luz falhando. Plano detalhe na maçaneta sendo movida. Som repentino após alguns segundos de silêncio. Gramática de linguagem que não cria uma atmosfera que não seja nada além de derivativa, orquestrada de maneira esquecível. Cenografia, efeitos especiais, design de produção, edição de som e fotografia não estão especialmente inspirados. A paleta de cores não se sobressai em momento algum; a concepção visual é esquecida em um segundo. A composição de quadro e os movimentos de câmera estão em um campo para um jogo ganho (repita os clichês e está feito); o quadro, o extra-quadro, as conexões de montagem (ou raccords) desperdiçam qualquer oportunidade de criar sugestão. O monstro Diana é mais um em um milhão.

OK, pode-se argumentar a tradicional justificativa aqui que nem todo filme precisa ser inovador ou marcante no gênero. Se cumprir a função a que se propõe, está ótimo, valeu o ingresso, todos estão felizes. Mas há filmes que não alcançam nem isso. Quando as Luzes se Apagam, como terror, é uma coletânea de lugares comuns. A última cena já foi vista em tantos outros filmes e há tanto tempo que fica difícil de não ter uma sensação irritante de assistir mais um derivativo da típica história sobrenatural. Tanta preguiça estética e narrativa e clima de café requentado tornam difícil compreender porque este filme seria relevado como um exemplar satisfatório do gênero e outras franquias como filmes “trash” de mau gosto.

Lights Out, o curta, eram os três minutos que iriam te assustar mais do que qualquer filme de terror que estivesse passando nos cinemas. Quando as Luzes se Apagam, o longa, é o filme qualquer de horror que está passando no cinema.

Comentários (1)

Arthur Brandão | quarta-feira, 24 de Agosto de 2016 - 19:14

Valeu pela crítica Brum, mostra bem como está sendo o 'cinema' atual do terror.

Uma pena... 🙄

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