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Críticas

Cineplayers

Bangue-bangue político é o mais lírico e desvairado de todos os filmes de Sergio Leone.

9,5

Desde algum tempo Sergio Leone está muito longe de poder ser considerado subestimado entre os cinéfilos. Seus filmes povoam a imaginação de grande parte do público cinematográfico, sua obra cresce a cada revisão. Mas nem sempre foi assim: na época de lançamento da maioria de seus filmes, estes eram tidos como obras menores, num período em que a maioria dos cineastas se dedicava a renovar a narrativa e a linguagem num nível mais ambicioso e experimental. O tempo fez com que as coisas fossem colocadas em seus devidos lugares: a obra de Leone foi ganhando reconhecimento e status merecido com o decorrer dos anos, passando a ocupar o mesmo lugar de destaque ao lado de qualquer outro figurão do cinema mundial.

Ainda assim, pelo menos um de seus filmes ainda paira muitas vezes solitário e esquecido em sua filmografia, justamente um dos melhores: Quando Explode a Vingança. Quem observar a carreira de Leone (descontando os épicos malfadados que dirigiu) pode perceber que desde seu primeiro e modesto faroeste (Por um Punhado de Dólares) os seus filmes vão crescendo e progredindo de qualidade em relação ao anterior, culminando no que para muitos é o ponto máximo de sua carreira: Era uma Vez no Oeste. A impressão é que depois disso Leone perdeu o interesse em dirigir westerns, como se já tivesse dito tudo que tinha a dizer sobre o gênero, como se tivesse esgotado todas (ou pelo menos a maioria) das possibilidades dos faroestes. Tanto que ele nem tencionava dirigir Quanto Explode a Vingança. O filme esteve por ser realizado por Peter Bogdanovich (seria interessante ver uma experiência dele com faroestes, no auge de seu fôlego criativo como cineasta, quando se dedicava a reinventar os gêneros clássicos em roupagens novas) e depois pelo grande Sam Peckinpah.

Por mais que ambos os citados sejam grandes cineastas, esse faroeste não poderia ter caído em melhores mãos do que as do próprio Leone (é o único filme que o italiano dirigiu no hiato de quinze anos entre Era uma Vez no Oeste e Era uma Vez na América), que retoma e refunde muitos aspectos de Três Homens em Conflito, como o pano de fundo político (aqui bem mais ampliado ao ponto de quase se tornar o núcleo do filme, o que de modo algum prejudica sua estrutura) e a relação entre os personagens. No entanto, em nenhum momento de Quanto Explode a Vingança sentimos Leone esgotado ou a caminho de se repetir. Pelo contrário, constatamos que o que ele retomou é visto sob ângulo diverso e novo.

Pode-se dizer que é o único faroeste de Leone sem heróis, uma vez que tanto Rod Steiger quanto James Coburn estão muito longe de assim serem denominados (nos anteriores, Clint Eastwood e Charles Bronson também desempenhavam papéis de anti-heróis, porém estão identificados demais no inconsciente coletivo do público como heróis sem máculas). É provavelmente o western mais comovente de Leone, também o mais sujo, ruidoso e divertido (mais até que Três Homens em Conflito).

No começo o maltrapilho mexicano Juan Miranda (Steiger) é aceito em uma carruagem de luxo que atravessa o deserto do México apenas para servir de chacota a uma grã-finagem esnobe que representa algumas das facetas da elite (incluindo uma madame bastante moralista e até a própria igreja, na figura de um padre), mas logo se reconhece que nas montanhas o jogo é diferente: o mendigo se revela um bandoleiro quando a diligência é tomada de assalto por seus seis filhos, que despem e açoitam os burgueses. Um pouco mais à frente do percurso, o grupo une-se por acaso a John Mallory (Coburn), um especialista em explosivos que fugira da Europa perseguido pelo governo britânico por ações terroristas na guerra na Irlanda. O bandoleiro e o irlandês custam a se acertar, e após conflitos e desencontros em um jogo de gato e rato característico na obra de Leone (sobretudo em Três Homens em Conflito), eles alcançam a agora irreconhecível e modernizada cidade de Mesa Verde, então ocupada por tropas militares.

Estamos no final dos anos 10, na Revolução Mexicana de Pancho Villa e Emiliano Zapata, e o desiludido irlandês que receava se envolver em lutas políticas novamente, decide apoiar aquela revolução querendo vencer a guerra que não pôde ganhar em seu próprio país, enquanto que Juan (que pretendia apenas roubar uma fortuna no banco da cidade) é tomado por grande herói ao soltar uma grande quantidade de prisioneiros de guerra no banco transformado em prisão especial. O bandoleiro, entretanto, nunca confiou em revoluções, mas altera o seu posicionamento depois de um massacre realizado pelas forças do governo, em que sucumbiram todos os seus companheiros e familiares, dentre dezenas de mortos, decidindo ajudar a combater o exército do governo (ainda que permanecendo sem acreditar no poder das revoluções na melhoria da vida dos pobres).

Na verdade, Quando Explode a Vingança é um dos filmes mais práticos a tratar de preocupações políticas e injustiças sociais, concentrando-se não em discursos ideológicos ou questões partidárias, mas diretamente nas lutas revolucionárias dos que não tem nada e desejam mudar o mundo (ao menos o próprio mundo). O filme também trata da inutilidade de todas as guerras, fazendo uma crítica amarga ao comodismo de chefes revolucionários que falam muito e organizam as lutas, para conservarem-se protegidos ao enviar para o campo de batalha os subordinados angariados entre a população pobre, com o sacrifício do sangue de muitos inocentes. Essa postura está representada no líder revolucionário interpretado por Romolo Valli, que à certa altura denuncia seus colegas no banco de carona dos seus inimigos, conseqüentemente, levando os companheiros ao fuzilamento.

E como é impossível escrever sobre Sergio Leone sem mencionar Ennio Morricone, a trilha do compositor em Quanto Explode a Vingança é não menos que sublime. Há um lirismo e poética suja e galopante que as imagens empoeiradas do filme adquirem ao som dos temas de Morricone. Poucas vezes se viu um faroeste com uma integração tão leve e perfeita de imagem e som, quanto nesse filme, sobretudo nos recorrentes flashbacks em que a música do Morricone, ao invés de evocar ou emoldurar as dolorosas lembranças do personagem de James Coburn, é antes disso, a própria lembrança, as recordações epifânicas dele na Irlanda da década de 10. É então que Quando Explode a Vingança se converte em um filme sobre o tempo e a memória, e em como o passado e o presente afetam o personagem de Coburn, uma espécie de Garibaldi de sua época, um expatriado envolvido em guerras políticas nos dois lados do mundo. Uma trilha musical de chorar de tão boa.

Na época do lançamento, o filme não foi bem recebido pelo público, o que levou os produtores a interferirem na montagem, cortando em torno de quarenta minutos da metragem total, o que ainda assim não foi suficiente para escapar do fracasso de bilheteria. Descontente, Leone afastou-se do cinema (apenas produziu uns poucos filmes, alguns dos quais co-dirigiu sem ser creditado) e só voltou oficialmente a dirigir com o seu derradeiro canto do cisne, a obra-prima Era uma Vez na América. Quanto ao Quando Explode a Vingança, recentemente o filme teve sua versão integral de 157 minutos lançada em DVD, podendo então ser conferido com toda sua plenitude e esplendor. Aliás, o filme faz uma ponte dos faroestes de Leone com o posterior Era uma Vez na América. No filme de 71, Rod Steiger e James Coburn são velhos caubóis querendo ir para os Estados Unidos roubar bancos. Mas tempo deles já terminara, após chegarem ao limite da morte propriamente dita, num período histórico em que menos de uma década depois surgiriam os modernos gângsters que no século XX ocupariam o lugar antes reservados àqueles antigos pistoleiros.

Comentários (1)

Luiz Antunes dos Santos Júnior | sábado, 25 de Fevereiro de 2012 - 23:11

Sempre gostei do gênero Western. Quando assisti este filme (posso falar sem meias palavras que não apenas o vi, mas também o devorei), fiquei curioso pois a direção apresentava Sérgio Leone (conhecido por outros filmes) e os atores envolvidos sempre os admirei (Rod Steiger e James Coburn). Não me arrependi e indico filme que é pouco conhecido e comentado (talvez devido as créditos dados a outros filmes Western de Leone). Destaco ainda a história que serve como pano de fundo (A Revolução Mexicana) e a ótima trilha sonora. Vale a pena.

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