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Críticas

Cineplayers

Os anjos têm sono pesado.

5,0

Quando adolescente, assisti O Carona, com Lois Chiles, filme presente dentro da antologia Creepshow 2 - Show de Horrores (Creepshow 2, 1987). Nele, uma mulher atropela um homem e foge, já que o acidente denunciaria seu adultério. Nesta história interessa a culpa. Ao assistir este Quando os anjos dormem, imediatamente me lembrei do terror oitentista e dos assuntos retratados que haviam permanecido em minha memória. 

A culpa. 
O medo de ser descoberto. 
As consequências do erro. 

Logo no início, o filme dá três indicativos do que virá a seguir, a partir de situações envolvendo o trânsito, como uma batida em um estacionamento. Para quem lê a sinopse, o acontecimento principal não é novidade, mas as consequências serão surpreendentes, para o bem e para o mal. O roteiro escrito por Gonzalo Bendala, que também dirige, é preocupado com detalhes (a faca; a expectativa de uma criança; os indicativos que funcionam como previsões), mas excessivo em outros vários pontos. A presença de um vizinho e a demasiada atenção a dupla policial, por exemplo, aparecem como subtramas que nada contribuem com o desenvolvimento da história. Aliás, histórias.  

Um homem, Germán (Julián Villagrán), sugado pela empresa, conforme sua esposa denuncia, decide viajar para ver a filha que está fazendo aniversário. Apresentado como um pai ausente e completamente dedicado ao trabalho, Germán segue quase desenfreado a um trajeto que lhe trará surpresas aterrorizantes durante o tempo que o cansaço o faz querer acompanhar os anjos do título. Em outro lado, Silvia (Ester Expósito), cuja atuação resume-se a gritos e inquietações, posa como adolescente problema em intenso conflito com os pais e sai quase à deriva com amigos, em meio à descoberta das drogas e do sexo. 

Durante a noite e ao longo de uma estrada, Germán e Silvia se cruzarão, com a presença de um terceiro personagem.   

O filme transporta o espectador a um espiral de conjunturas angustiantes cujo absurdo da situação, que leva imediatamente o público a questionar a sanidade de cada personagem devido seus questionáveis comportamentos, compromete o filme pela incoerência. Não há fé cênica que garanta completa atenção. Antes da meia-noite, numa estrada pacata, um acidente. As decisões do pós-desastre são desesperadas e acentuam os danos a um homem que não poderia colocar tudo a perder. Aí entra em cena o que há de melhor: a moral e até qual ponto ela pode ser bancada. 

A coisa toda se prolonga demais em perseguições noturnas em benefício de resoluções que parecem não vir e a responsabilização soa impossível, quase que inconcebível. As decisões, então, tornam-se fatídicas. Aí o personagem de Julián Villagrán cresce, uma vez que a conduta suscitada pelos nervos e pelo medo o faz ter ações surpreendentes, em geral duvidáveis. O público, então, no streaming, acompanha de casa um homem caindo em desgraça, vendo ruir os pilares que edificou e cujo orgulho jamais o faria admitir perder.   

Pelo telefone, a filha sonolenta espera o pai chegar com um presente. Resta a ele mentir, escolher o que fazer, prolongar o encontro e a entrega do presente.

Lançado recentemente no catálogo da Netflix, Quando os anjos dormem é um suspense competente do que tange o despertar da tensão sobre o espectador que sofrerá junto aos seus personagens. A direção de Gonzalo Bendala é constatada, já que este consegue transpor toda uma impressão de um interminável pesadelo o qual, aparentemente, nada pode ser mudado para melhorar. E tal como a motorista de O Carona, implica a vítima, transformando-a, contradizendo-a e dando a ela camadas capazes de nos fazer acompanha-lo, curiosos, até o fim de sua saga noturna. 

Ao final, um novo resultado de escolhas e uma feição triste de alguém que entende que tal noite jamais terminará. Os anjos têm sono pesado.

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