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Críticas

Cineplayers

Uma estranheza saborosa que se constitui em divertimento de alto nível.

7,0

A mais recente produção dos irmãos Coen mantém uma temática que percorre grande parte de sua filmografia: o bizarro e o grotesco. Ao contrário de David Lynch – cineasta que trabalha com esses temas, conhecido por realizações de difícil compreensão –, que cria um universo próprio em (muitos dos) seus filmes, os Coen brincam com o invulgar em um mundo totalmente real. Eles têm o dom de dar um tom humano aos mais díspares estereótipos, e isso tem como resultado uma estranheza saborosa que se constitui em divertimento de alto nível.

O roteiro mostra uma incrível habilidade de fazer um enredo sobre nada. Pois a história toda (e é preciso ter cuidado para não estragar a não-surpresa) é sobre uma não-trama, uma não-conspiração em que cada personagem contribui um pouco mais para que aumente a confusão e o inusitado da coisa.

Apoiado num molde de farsa, o filme dá continuidade a produções como Fargo e O Grande Lebowski, ambas também estruturadas em cima de uma situação burlesca, cuja trama se desenvolve por meio de episódios inverossímeis criados através de erros dos personagens. No entanto, dessa vez, os irmãos Coen capricharam mais na elaboração do enredo e foram bem mais certeiros no humor.

O elenco principal de Queime Depois de Ler tem desempenho irregular. De um lado, brilham Brad Pitt e John Malkovich – o primeiro apresenta uma atuação digna de prêmio (na categoria de comédia, claro) e é responsável pelos momentos mais engraçados, e o segundo passa na medida a angústia de alguém diante de coisas que não fazem o menor sentido. Por outro lado, George Clooney e Frances McDormand deixam a desejar – o primeiro não conseguiu achar o tom de seu personagem, que é o único pouco humano entre os principais (e talvez Clooney possa dividir a responsabilidade disso com o roteiro), enquanto McDormand, embora tenha uma boa personagem, exagera nas caretas e coloca-se num nível caricatural totalmente desnecessário e irritante (o mesmo que havia empregado em Fargo) – isso só demonstra a falta de versatilidade da atriz, que parece só estar lá por ser esposa de um dos diretores.

Um interessante tema do filme é a paranóia. Principal produto de exportação da sociedade estadunidense da segunda metade do século XX, a paranóia ganhou o mundo e, hoje, já não é mais exclusividade dos norte-americanos. É fácil para qualquer pessoa identificar-se com as situações em que os personagens criam as mais diversas fantasias sobre as coisas, indo ao limite do absurdo (ou passando por ele). O medo, assim como a estupidez humana, não tem fronteiras.

Junto com isso vem uma brincadeira com a importância da estética, pois a grande motivação da personagem que é a força motriz da trama é obter dinheiro para a realização de cirurgias plásticas. Assim, é a obsessão pela forma que promove uma ambição desmedida – ridícula e risível. Todos esses temas são vistos pelos realizadores com um olhar em que não faltam ironia e cinismo – ingredientes indispensáveis para que seja possível rir de si mesmo.

Em um cenário do cinema de massa em que comédia e inteligência parecem andar para lados opostos, os irmãos Coen nos entregam um material farsesco que consegue a difícil tarefa de fazer rir sem abrir mão de um subtexto pertinente. Isso tem como resultado uma estranheza saborosa que se constitui em divertimento de alto nível.

Comentários (1)

Cristian Oliveira Bruno | quarta-feira, 04 de Dezembro de 2013 - 18:07

O desfecho da cena de Pitt no armário de Clooney está entre os mais engraçados e surpriendentes dos últimos anos. Esse filme tem a cara dos Coen.

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