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Críticas

Cineplayers

A Pixar volta à sua melhor fase, criando uma das melhores animações da história do cinema.

10,0

Há poucos anos a animação tradicional acabou sendo jogada para escanteio devido a sua mesmice narrativa e por concorrer diretamente com a novidade das animações por computador, então vista como algo revitalizante para o gênero. O tempo passou e aquele mesmo lugar comum que infestava a animação em duas dimensões tomou conta do segmento novo-rico. Como resultado, uma abundância de filmes de tecnologia cada vez mais aprimorada e conteúdo cada vez mais frágil.

A pioneira Pixar, entretanto, jamais se acomodou, sempre primando pela qualidade tanto técnica, na qual é imbatível, tanto no esmero com as histórias a serem contadas. Mas a recepção frustrante do então último longa-metragem da empresa, Carros, e toda a bagunça envolvendo a ameaça de separação da Disney, fez com que se acendesse um sinal amarelo dentro da companhia.

Somado a esses fatos a incredulidade geral a respeito de um rato ser o protagonista de Ratatouille, entende-se o porquê do acolhimento um tanto quanto morno por parte do público. Uma enorme injustiça, levando-se em conta que, ao final da projeção do filme, temos a sensação de não só termos visto, de longe, a melhor animação da companhia, como também um dos melhores exemplares da história. Há quem aponte Ratatouille superior ao clássico Branca de Neve e os Sete Anões, tido por nove entre dez cinéfilos o grande ápice do gênero.

Comparações inúteis à parte, é bem provável que Walt Disney, caso fosse vivo, ficaria orgulhoso de Brad Bird, o diretor de Ratatouille e que anteriormente dirigiu o subestimado O Gigante de Ferro para a Warner e o eletrizante Os Incríveis, sua estréia na Pixar. O próprio Disney fez de um rato uma de suas maiores criações, o tão famoso quanto intragável Mickey Mouse. Já com Remy, personagem-mor do filme de Bird, a empatia é tão instantânea que é impossível não recordar de Dory, a peixinha sem memória que rouba a cena em Procurando Nemo, outra obra-prima da Pixar. 

Remy é um primor em se tratando de construção de personagem. Afinal, era uma grande ousadia transformar em estrela um rato, espécie das mais asquerosas e comumente retratada de forma vil seja no cinema, seja em outros meios de entretenimento. De certo, o cuidado com a apresentação do personagem e seu desenvolvimento no decorrer da história apresenta, sem jamais dissociá-lo das características dos genus rattus, nada mais que uma nova roupagem para a velha história da Gata Borralheira. Só que se em Cinderela a própria buscava a aceitação através da aparência, por melhor índole que tivesse, Remy busca o mesmo através do seu talento nato, cozinhar. 

E se o sonho de Remy é tornar-se um cozinheiro, nada melhor que ambientar a história em Paris, a capital gastronômica do planeta. E poucas vezes se viu a cidade tão bem fotografada. A cada beco, a cada paralelepípedo incrustado no chão molhado pela chuva digital, tudo nos remete à Paris romanceada do imaginário comum. Quando serve-nos a cidade em panorâmicas, o filme alcança um nível de realismo tamanho que quase esquecemos que estamos diante de uma animação, e não de um fotograma real. 

A qualidade técnica e artística a Pixar é tão grandiosa que até os menores detalhes ganham atenção redobrada. É fácil perceber o carinho que cada frame recebe, desde o rápido brilho na maçaneta de uma geladeira até o automóvel que passa bem ao fundo de uma cena noturna. A iluminação é de um preciosismo sem tamanho: lindíssima a cena na qual Remy percorre os subterrâneos parisienses, até chegar ao topo de um edifício. Cena esta que também possui uma notável montagem, tão nervosa a ponto de fazer as crianças pularem de alegria nas poltronas. Ratatouille também não deixa de ser manipulador também com os adultos, afinal é praticamente irresistível não desejar saborear os pratos preparados por Remy, apreciados até pelo mais temido crítico culinário da animação! Quanto a maior dificuldade atual da animação, o feitio de seres humanos, o diretor Bird acertadamente optou por traços caricaturais e arredondados, longe de querer ser verossímil.

Outra cena memorável é quando Remy é descoberto dentro da cozinha do restaurante de seu falecido mentor, e é criado um fuzuê para capturá-lo. A montagem perfeita novamente entra em ação e a música pontual de Michael Giacchino – outra delícia – faz nos relembrar dos melhores pastelões do mestre Buster Keaton ou dos Três Patetas. É nessa cena, inclusive, que nos é apresentado Linguini, o atrapalhado ajudante de limpeza do restaurante que salva o rato da enrascada (ou seria o contrário?) e de onde surge a amizade que possibilita a concretização dos sonhos de ambos. 

Com tantas qualidades, Ratatouille ainda consegue emocionar em seu desfecho e deixar muita gente na dúvida se o flautista de Hamellin estava agindo sob as ordens do chef Skinner, o chef antagonista de Remy na trama. Merci beaucoup, Pixar!

E não se atrase para a sessão: antes do filme há a tradicional apresentação de um curta-metragem da empresa. Desta vez é o engraçadinho “Quase Abduzido”, indicado ao Oscar esse ano.

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