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Críticas

Cineplayers

Forte filme sobre samurais marcou época.

8,0

Considerado por muitos como um dos maiores filmes japoneses de todos os tempos, Rebelião é um rigoroso, áspero e belamente duro filme sobre um clã que se levanta contra a tirania de seu senhor. Um assassino profissional é enviado para matar o líder, interpretado por um envelhecido Toshiro Mifune. O duelo final, entre o velho samurai e seu anjo da morte, com o último em dúvidas em relação ao seu ato, não só é uma das mais belas seqüências já feitas como um marco na história do cinema japonês.

Antes, a figura do samurai no cinema vinha embalada pelo militarismo japonês da II Guerra Mundial, que resgatou o código Bushido, que os samurais seguiam. Sempre seguidores do imperador, máquinas eficientíssimas de matar e representantes do Japão imperialista, a figura do samurai começa a mudar após a derrocada do país na guerra – alguns filmes do gênero chegaram a ser censurados pelos americanos, que então ocupavam a ilha. 

A figura do samurai ressurge nos anos 50, tempo do “milagre japonês”, em filmes como Os Sete Samurais, de Akira Kurosawa, e Contos da Lua Vaga, de Kenji Mizoguchi, tendo o ator Toshiro Mifune como seu principal motor. A nova geração de diretores, dos anos 60, que cresceu longe do nacionalismo militarista (eram adolescentes na época da guerra), vê o samurai não de uma, mas de várias maneiras e, influenciados pelos neorealistas italianos, pelo cinema noir norte-americano (e o western) e pela Nouvelle Vague francesa, além da temperatura efervescente da época, vai desmistificar para sempre a imagem do samurai.

Com o sucesso dos filmes, então considerados popularescos, grandes companhias começaram a investir no gênero e o resultado é filmes como este Rebelião, uma suntuosa sucessão de magníficos travellings, fotografia esplendorosa, figurinos soberbos, direção de arte irretocável (com obras de arte do estilo Kano, para quem conhece e admira), com grandes atores do teatro interpretando roteiros minuciosamente elaborados, dirigidos por então jovens diretores que tinham algo para dizer e, principalmente, talento. O resulto só podia mesmo ser genial.

Em geral, os filmes de samurai se passam entre 1450 e 1615, a época da guerra entre os estados japoneses. Aqui, a ação transcorre após, quando um dos clãs, Tokugawa, baseado em Edo (Tóquio hoje) triunfa, após a Batalha de Sekigahara, um período de relativa paz entre os clãs, mas uma época de impostos em constante alta, fome e miséria, provocando uma discussão sobre a autoridade e a credibilidade do regime, chamado de shogunato. 

É onde Rebelião tira sua forte história, a partir do confronto com esse tipo de hipocrisia e as injustiças. Apoiado no roteirista Shinobu Hashimoto, o mesmo de Harakiri, a obra-prima anterior do diretor, Rebelião, com um fundamental Mifune no papel principal, segue sempre tenso até o clímax final, uma sanguinolenta batalha de um homem só que destrói sozinho metade do exército.

O tirano de Edo tinha várias amantes, mas só uma consegue lhe dar um filho, Ichi. Ela é enviada à família Sasahara para que se case com o filho mais velho. A imposição da ex-amante do imperador é um duro golpe para a família, que no entanto a aceita. Surpresa geral, o casal se apaixona, tem outra filha e a vida segue até que o imperador exige a volta da amante ao castelo. O clã, cansado das humilhações, resolve-se pela rebelião do título. Em paralelo, segue a história do assassino contratado para matar o líder, mas o criminoso tem dúvidas se é correta aplicação da ordem.

Não há nada parecido no cinema hoje com o uso da música, magistral, do compositor Toru Takemitsu no filme – no DVD da Criterion Collection, o diretor diz que precisou ser assim porque teve de aumentar demais o som para que “pela primeira vez as pessoas pudessem ouvir TODAS as falas de Toshiro Mifune no filme”. Como também não é possível imitar a luz expressionista do filme, baseada na tinta suiboku, que tira (felizmente) Rebelião do por vezes rançoso neorealismo e dá uma dimensão mais rica e cheia de texturas. 

A carga dramática fica por vezes exagerada, pois a ação fica concentrada em poucos cenários a maior parte do tempo, exceto no final. Há quem diga que Rebelião não é tão bom quanto Harakiri, há quem pense justamente o contrário, que é a verdadeira obra-prima. O fato é que o filme é motivo de idolatria até hoje, seja pelos aspectos formais, seja pelo que representou na cinematografia japonesa, ou mesmo pelo filme em si. 

Para um Japão que já começava a ter sua máfia (a Yakuza), com todo o ocidente berrando contra as agruras do capitalismo, o filme marcou época. Hoje, época tão conservadora e conformista, é de se perguntar se Rebelião ainda surtirá impacto. Quem está em São Paulo, pode ver o filme no cinema, no Centro Cultural São Paulo, na monumental mostra de filmes japoneses que comemora os 100 anos da imigração nipônica para o Brasil.

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