Da Argentina, chega um filme em episódios diferente de todos: é muito bom.
Poucos riscos são maiores no cinema do que filme em episódios. Grandes diretores não acertaram, Contos de Nova York tinha Coppola, Scorsese e Allen e ficou capenga; O Amor na Cidade tinha Fellini, Antonioni, Risi e não funcionou a contento; os recentes projetos da série Cidades do Amor tiveram altos e baixos, mesmo contando com os maiores cineastas da atualidade em seus elencos. Aí, de repente, Cannes selecionou um jovem cineasta argentino para a competição, um festival que sabemos ser concentrado e quase elitizado quanto a seu elenco. Então o filme é exibido, e aplaudido. Muito. E bate recordes de público no seu país de origem. E é um filme de episódios. A pergunta: como Demian Szifron conseguiu a façanha do equilíbrio em meio a seis sensacionais pedaços de vidas cotidianas? Definitivamente estamos diante de um talento a ser observado, independente da parte do mundo de onde ele veio.
Nos últimos tempos temos visto nosso circuito ser abraçado pela cinematografia portenha, e vimos Ricardo Darin ser alçado a condição de astro/galã. Mas como toda cinematografia que explode em qualquer lugar, o excesso acontece... e a mesmice... e começamos a acompanhar tudo, inclusive os deslizes e tropeços. Vejamos o próprio Darin: Relatos Selvagens foi emparelhado entre dois outros filmes do cara, o recém lançado O Que os Homens Falam e o futuro lançamento Sétimo, ambos bem fracos, para ser simpático. Porque o excesso traz a normalidade de cada um, que não é ser excepcional 24 horas por dia. Vimos de tudo do cinema dos nossos hermanos, os acertos e os erros. Mas chegou um outro filme então a mostrar o lado argentino que o público médio acostumou a chamar de excelente, contra todos os prognósticos já listados.
O grande mérito de Szifron talvez seja mesmo radiografar as neuroses do dia a dia com segurança espantosa, e cheio de frescor. E fica fácil conseguir o abraço popular, quando você tem uma sociedade que está cansado de tudo o que é mostrado no filme, e morrendo de vontade de liberar as frustrações em cima do primeiro que passar na frente. Lembram de Um Dia de Fúria, o filmaço de Joel Schumacher com o ensandecido Michael Douglas? Imaginem isso desdobrado em seis situações distintas e sem moralismo no final pra colocar a culpa em alguém. Porque não há culpa, não há vítima, não há ninguém a quem desaguar... e acabamos fazendo isso em nós mesmos.
Então a situação do avião, uma vingança em um restaurante, uma perseguição de carros sem motivo, a angústia de ser lesado pelo governo, um atropelamento que se transforma num grito mudo de socorro ou o desabafo de um casamento que nasce aos pedaços soam muito familiares e próximas; todos nós já vivemos ou estivemos do lado daquelas situações. E contando com um elenco excepcional (Darin - sempre ele! - inclusive) e montagem perfeita, o filme conseguiu um feito: unir público e crítica, uma manobra cada vez mais rara e arriscada hoje em dia. Com um roteiro azeitado e direção bem arrojada, o filme é um sucesso deslumbrante, daqueles que dão gosto de assistir.
E além de tudo há a identificação pessoal, e intransferível. Assistir o filme e acompanhar suas situações-limite é, acima de tudo, se colocar naquelas posições e nos questionarmos. Mas não estamos falando de um filme-tese chato, mas de uma alegoria pop e muito bem realizada, um petardo de humor negro que vai detonando cada uma das convicções mais básicas da sociedade e transformando todo e qualquer um, de qualquer classe social retratada, na mais cruel besta fera. Com o apoio de todos nós, espectadores.
Filmão, excelente surpresa. Bora assistir de novo.
É perfeito misto de Um Dia de Furia com California Suite (1978) de Hebert Ross na qual trazia historias nao interligadas.
Filmaço. Pra mim é um dos melhores do ano junto com: Guardioes da Galaxia, Gone Girl e Boyhood. Tenho ainda que ver estes dois ultimos.
Ótima crítica.
Um filme em episódios realmente coeso e capaz de agoniar com seus personagens à beira da loucura - ou loucos de fato.
Humor negro em fervura máxima que dá gosto de assistir em 6 episódios. A perseguição sem motivo na estrada retrata bem como o ser humano pode ser, às vezes, tão primitivo.