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Críticas

Cineplayers

Coutinho traz um retrato da religião na visão dos brasileiros. Não tão completo quanto se poderia esperar, mas há boas qualidades no filme.

6,0

Dois fatos isolados marcaram, no âmbito religioso, a segunda metade da década de 1990 no Brasil: o lamentável episódio em que um pastor da Igreja Universal do Reino de Deus vilipendiou a imagem de uma santa em plena rede de televisão e a visita do falecido Papa João Paulo II ao Rio de Janeiro, celebrando uma missa campal para cerca de dois milhões de pessoas.

Em 1999 Eduardo Coutinho lançou seu segundo longa-metragem documental, este “Santo Forte”, a respeito do sincretismo religioso nacional. Mantendo seu estilo sutil e discreto, muito mais de amparo à reflexão do que de suporte a polêmicas, eliminou qualquer referência ao primeiro episódio, mas não deixa de registrar, breve mas de forma icônica, o segundo fato – afinal, estamos falando do maior país católico do planeta.

E, além de maior, o mais controverso. Não deixa de ser curioso o fato de Coutinho ir a uma favela carioca buscar depoimentos de moradores do lugar, a respeito de suas crenças, e os entrevistados, em sua quase totalidade, afirmarem  serem católicos, ao mesmo tempo em que afirmam realizar outras práticas religiosas díspares.

A forma de investigação, ou o método de trabalho do diretor, à primeira vista displicente, abre a perspectiva no espectador muito mais ampla, de grande ângulo antropológico, deixando espaço para aferições que fugiriam  ao escopo de uma decupagem mais rígida. Aos personagens do filme, não só conhecemos a forma como encaram o metafísico, mas também todo um painel cultural, econômico e social. “Santo Forte” é o retrato do povo brasileiro, captado na essência, sem didatismo ou interpelações.

A maneira como Coutinho, ele mesmo entrevistador e canal entre imagem captada e público, cria esse enlace que só ele sabe fazer. Postado entre a câmera e o objeto, invisível e somente perceptível através de sua fala mansa e educada em décadas de carreira como documentarista, deixa os entrevistados tão bem azeitados em relação a todo o equipamento que está incrustado ali, à sua margem, que a relação entre ambos se torna quase naturalista, e é exatamente essa forma de trabalho que amplia os horizontes de qualquer trabalho que venha a ser feito por ele, e este não é exceção.

Se “Santo Forte” é levemente desapontador por não trazer um painel mais completo a respeito do tema, como as expectativas próprias ansiavam, paradoxalmente encarta todo um novo conceito aos olhos daqueles que já esperam tal experiência.

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