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Críticas

Cineplayers

O futebol e a celebração do espetáculo.

6,5

Documentários esportivos fatalmente sofrerão sempre de uma mesmice dominante no gênero. Um Garrincha, Alegria do Povo (idem, 1963) é a exceção que mostra que pode sim se optar por uma outra via menos convencional e mais criativa, porque a rigor no cinema, como já escreveu o crítico Inácio Araújo, o esporte importa menos que o lugar vazio onde se joga uma grande carga emocional, em que se aproveitam os jogos para tratar daquilo que existe em torno deles, em algo a dizer ao tempo presente. No caso do filme de Joaquim Pedro de Andrade, sem tachar uma crítica severa ao futebol (ao contrário, era também uma reverência dele como arte) deixava-se evidente o quanto podia ser da mesma forma um instrumento para entorpecer multidões. O que reina no gênero é o documentário celebratório, como homenagem carregada de depoimentos e materiais de arquivos para ufanar o objeto (clube ou jogador) em questão, o que reduz o seu interesse a um publico especifico, no caso aos fãs ou quando muito aos apaixonados por história do esporte.

Produzido pelo canal ESPN, Santos, 100 anos de Futebol Arte (idem, 2012) pouco escapa de ser um docTv para reverenciar o centenário do clube paulista. A assinatura de Lina Chamie, de Tônica Dominante (idem, 2000) e A Via Láctea (idem, 2007), trata de entregar uma informalidade narrativa pra cumprir burocraticamente o seu objetivo, em meio às execuções recorrentes do hino do clube na tela, entrevistas com jogadores importantes, trechos e fotos de sua trajetória por esse século de futebol, além de eventuais depoimentos de alguns torcedores. Mas não adianta: para quem gosta do esporte, e sobretudo de sua história, resta ver o filme de maneira agradecida. As origens do clube são mostradas, e no começo já uma curiosidade que aos santistas parecerá reveladora: o Santos foi fundado na mesma data da viagem do transatlântico Titanic, sobre o qual diziam que nem Deus o afundaria (como trata de lembrar o entrevistado responsável pela menção no documentário).

Contextualiza-se a cidade da época, ressalta-se que o Santos é o único time do interior no Brasil a se tornar realmente grande, e lembra-se de um primeiro clássico contra rival disputado, o fabuloso ataque dos mais de 100 gols (em apenas 16 jogos) em 1927 e o primeiro título estadual. Mas se o Santos é tratado como religião (como por toda torcida que reverencia fervorosamente seu time do coração), essa religião também tem seu eus e ele atende pelo nome de Pelé. De fato, como nenhum outro clube no mundo, à maneira da vinda de um Jesus Cristo, a história do Santos se define entre antes e depois de Pelé. Foi um dos encontros mais oportunos da história do futebol: o jogador chegou ao clube logo no momento em que este se impunha como melhor time do Brasil, e Pelé se deparava com as condições propícias para se tornar o Rei do futebol. Um torcedor hoje mais velho conta que com vinte anos de idade (pouco antes do surgimento de Pelé) nunca festejara um título de campeão, para depois passar outros vinte anos cansado de ver seu time enfileirar faixas e um troféu atrás do outro.

O Santos de Pelé foi possivelmente um dos três maiores times da história (junto com o Real Madrid pentacampeão europeu na época e o Barcelona de uns anos recentes), em seu melhor período venceu todos os campeonatos regionais, brasileiros e internacionais que disputou no espaço de quase três anos, parou guerra numa excursão do clube à África quando um conflito armado foi interrompido para que os brasileiros pudessem jogar, e era uma das bases principais das primeiras três Copas do Mundo conquistadas pelo Brasil. No documentário, aparece com destaque o momento do gol mil de Pelé, uma marca sempre tratada com grande aparato midiático, mas que vale mesmo é por rever o goleiro argentino vascaíno Andrada literalmente puto esmurrando a grama depois de ver a bola tocando no fundo na rede (ele não queria ficar marcado como o arqueiro que sofreu o milésimo de Pelé). Outras histórias da época são contadas com sabor de anedota, como quando o Santos foi jogar na Bahia faltando um gol para Pelé chegar aos mil, e um zagueiro adversário salvou um o que seria um gol incrível do rei em cima da linha e a própria torcida local vaiou impiedosamente o jogador da equipe pela qual torciam. Ou quando o Corinthians venceu o Santos depois de um jejum de quase quinze anos sem ganhar do Peixe e a torcida corinthiana saiu às ruas gritando “o Santos é freguês”, para risos dos entrevistados. Coisas do futebol.

O futebol arte é exaltado nos depoimentos (e imagens) do documentário, mas quem tem quase trinta anos (ou mais) cansou de ver o Santos sem ganhar títulos ou repleto de jogadores que maltratavam a bola. Durante décadas, após a despedida de Pelé, houve poucos picos de bom futebol praticado pelo clube, e estes compõem grande parte de Santos, 100 anos de Futebol Arte em sua reta final. A primeira versão dos Meninos da Vila em 1978, ou o título de 84, ainda que nesse período impressione mesmo as imagens do goleiro Rodolfo Rodriguez, no que pode ser considerada a maior defesa da história do futebol, em quatro ou cinco lances sucessivos à queima-roupa verdadeiramente atordoantes. Ou então a épica partida de Giovani logo após pintar o cabelo revertendo uma vantagem que era do Fluminense na semifinal do Brasileirão de 95 (uma das melhores atuações individuais que assisti na vida). Campeonato que o Santos apenas não conquistou pelos erros crassos de um certo juiz que inverteu todos os lances capitais na decisão do titulo contra o Botafogo naquele ano.

Quis o destino que o Santos chegasse ao seu centenário depois de ter retomado o caminho de títulos e de grande futebol como vem ocorrendo na última década. Chegamos a esse ponto do documentário de Lina Chamie entorpecidos pelas reverências ao futebol praticado na história do clube no percurso de todo um século. Os fragmentos mais recentes e os depoimentos em torno dos últimos anos cansam um pouco (a não ser para o torcedor mais fanático do clube), visto que nos são suficientemente próximos demais, trechos de uma história que vem sendo construída no dia-a-dia com o nosso testemunho, e que parecem fechar (ou continuar) um ciclo que se perdera ao longo de um passado agora distante. Com Santos, 100 anos de Futebol Arte o cinema pode sair perdendo, mas o que vale é o triunfo do futebol como celebração e como espetáculo.

Comentários (1)

●•● Yves Lacoste ●•● | sábado, 28 de Abril de 2012 - 14:55

Feito só por causa do fenômeno Neymar!!! Nem o Rei Pelé conseguiu adiantar que o filme enfim saísse!!

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