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Críticas

Cineplayers

O coreano Chan-Wook Park utiliza a mitologia dos vampiros para contar uma história de sangue e religiosidade, sempre fiel à sua maneira de filmar.

4,0

Transportar a lenda dos vampiros para esse começo do milênio e atualizá-la para os nossos tempos não é desafio dos mais fáceis de resolver. As centenas de versões existentes com vampiros como objeto central de uma narrativa renderam uma variedade de obras que há muito esgotaram o assunto. Mais recentemente falar em vampiros remete a lembrança do sucesso da moda Crepúsculo, ou para um outro público específico, o ótimo terror sueco Deixa Ela Entrar, que vem conquistando um amplo reconhecimento e admiração desde que foi lançado. Em matéria de qualidade cinematográfica, entretanto, o novo filme sobre vampiros feito pelo coreano Chan-wook Park fica, quando muito, apenas em um meio-termo entre os opostos padrões dos títulos citados acima.

Sede de Sangue começa razoavelmente bem, em um hospital às voltas com o desespero dos pacientes e médicos que lutam contra uma contaminação mortal, que pelo prenúncio do tema do filme faz pensar em como se aqui o vampirismo fosse tratado como uma doença a ser curada pela medicina, uma epidemia a ser combatida, o que associa o prólogo aos tantos filmes apocalípticos antigos e recentes em torno de uma praga a ser aniquilada. Os cientistas desenvolvem um projeto secreto para a criação de vacinas para experimento contra o vírus letal, quando então surge a figura de Sang-hyun, um padre devotado que se oferece como voluntário para a experiência médica. Mas durante o experimento, ele acidentalmente é infectado com o vírus e seu corpo desfalece. Quando recebe de última hora uma transfusão de sangue desconhecido, o padre milagrosamente se recompõe, porém logo descobre que já não é mais o mesmo: o processo todo pelo qual passou o converteu em um vampiro que precisará urgentemente se alimentar de sangue para a sua subsistência.

É mais uma vez a história de um homem comum tirado de sua condição e jogado para uma existência desesperadora (tal qual Oldboy, o maior sucesso do diretor), com Park buscando antepor vampirismo com religiosidade. Sang-hyun passa a ter um grupo de seguidores fiéis que acreditam que ele possui poderes milagrosos, mas sua figura benévola por trás das aparências é na verdade um sacerdote do diabo, com o seu desejo incessante por sangue e a necessidade de caçar vitimas para saciar sua vontade divididos com a luta para manter a fé e a crença religiosa, que o proíbe de matar.

O seu vampirismo também está diretamente ligado a sua obsessão por sexo finalmente liberada, incluindo o amor pela esposa de um amigo de infância, o que resulta em seqüências de sexo que tomam grande parte do filme, especialmente quando a mulher descobre o seu segredo e se fascina com a sua condição, pedindo para ele exibir seus poderes como vampiro, que o possibilitam, por exemplo, a dobrar uma moeda ao meio com a maior facilidade ou pular de um prédio para o outro com a jovem em seus braços. Eis uma mistura de história de amor, gore, filme de ação, filme de terror e a narrativa de desfragmentação de uma vida cuja normalidade lhe foi arrancada.

Mais certo, no entanto, é que o filme de Chan-Wook Park parece funcionar como uma armadilha aos seus fãs incautos ou para os apreciadores do gênero. Suas virtudes estão antes no domínio de certa astúcia técnica do que em um verdadeiro vigor estético. É difícil detectar em Sede de Sangue um filme onde haja propriamente um estilo. O trabalho do cineasta é a busca pela criação de imagens exuberantes, mas que se esvaziam com a falta de justeza da narrativa. Ao invés de tentar abarcar os acontecimentos, de olhar o mundo e o personagens com alguma atenção e curiosidade, Park parece mais preocupado em subordiná-los à sua vontade de fazer um filme ágil e esperto, que pode à primeira vista sugerir alguma ousadia e desprendimento do cineasta, mas que no fundo não passa de uma intensa forma de exibir um virtuosismo estéril, com o sacrifício da narrativa que se torna um verdadeiro caos, longe de possuir as supostas virtudes que tanto elogiaram em Oldboy (originalidade, o talento em contar uma história, a criação de climas, a virada narrativa).

O cineasta concebe o seu teatro de vampiros (que se reduz apenas ao casal sedento pelo sangue jorrando do pescoço ou dos punhos de suas vitimas) de forma a causar um choque gratuito e extravasar um exibicionismo pueril em seu modo de filmar, com a câmera retalhando a tela sem precisão alguma, e uma edição frenética à custa de se pretender um ritmo vertiginoso. Reciclando os velhos ingredientes e clichês dos filmes de vampiros, Sede de Sangue sequer se sustenta na comparação com outras releituras mais populares e contemporâneas do tema, como o clássico oitentista A Hora do Espanto ou mesmo Entrevista com o Vampiro. É um filme que talvez possa ser sintetizado em seu plano final, um nascer do sol plasticamente bonito (porém fake) que o cineasta não resiste em literalmente transformar em um mar de sangue, o que em suma pode se estender a todo o restante e ao estilo (ou a falta de) do seu diretor.

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