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Críticas

Cineplayers

O labirinto ambíguo de Bava.

8,5

1964. A convergência sessentista da literatura de polpa inspirada nos livros de mistério estilo “Quem é o assassino?” ou “Whodunit” com a carreira de Mario Bava, que recebia carta-branca após o sucesso de A Máscara do Demônio (1960), A Garota que Sabia Demais (1963) e As Três Máscaras do Terror (1963).

Mas o diretor, assumidamente sem muita paciência para tramas complicadas com os tons mais escabrosos apenas sugeridos, resolveu inverter o escopo: em Seis Mulheres para o Assassino, direto até no título, Bava simplifica a trama ao máximo, resumindo tudo em uma história linear que cumpre o objetivo enunciado e então termina, e no meio do caminho exagerando o sexo e a violência o máximo possível.

Após já ter ensaiado um horror mais urbano no segmento “O Telefone” de as Três Máscaras do Terror (1963), Bava agora apostava em formato de longa-metragem a popularidade que temáticas controversas e sensacionalistas angariavam por um público sedento após começarem cada vez mais a abandonar antigos códigos de moralidade nas histórias filmadas para a indústria.

As histórias passaram cada vez mais a sair do cinturão de miséria editorial e cinematográfico e começavam a ganhar proporções efetivamente industriais - o filme provaria-se influente com o passar do tempo evidencia sua conexão com os livros de polpa impressos em capa amarela, com os filhos do filme pouco a pouco constituindo o que viria a ser chamado de giallo.

No segmento de 1963, o tom erótico logo ganhava um contorno sobre relacionamentos abusivos, com a questão sendo tratada e desenvolvida em uma única locação. Aqui Bava direciona a lente da sua câmera para o mundo da moda, onde modelos são caçadas até a morte por um assassino de capuz branco e todo vestido de negro.

Com essa relação própria de muitos thrillers que cria uma relação equilibrada de maneira tênue entre sexo e morte e pulsões de desejo são vertidas em cenas que iriam criar pouco a pouco uma verdadeira tradição de tratar cada nova sequência de morte como um “segmento” à parte, onde Bava lançava mão de todos os recursos técnicos possíveis para criar com a linguagem cinematográfica uma sequência de imagens que capturassem a atenção basicamente por si mesmas, com a sua pouca ou nenhuma relação com o anterior pouco importando: estava aqui um laboratório de criação propriamente dito.

Neste laboratório, Bava abraçava os anos sessenta de vez, com um filme absurdamente colorido, onde sombras e cores vivas entram em contraste e visam confundir os olhos, com uma série de tecidos, sombras, manequins e atores repartindo espaço em um mesmo ateliê e o horror rasteja e sangra através do filme, sem pressa para resolução, sentindo-se confortável em desdobrar-se na engenhosidade das mortes, evidenciando as falhas morais e vícios dos personagens que enfoca como motor narrativo para criar um labirinto de ambiguidades que reflete no espetáculo colorido e nas perspectivas inusitadas. Bava encarava muitos dos personagens enfocados como “modelos” ou mesmo “manequins” - poços de possibilidades inexplorados, capazes de tudo, podendo ser iluminados, esmagados, engrandecidos e reinventados sempre de uma nova maneira.

Confundindo a nossa leitura do ambiente com suas composições e pontos de vista claustrofóbicos, aprisionando personagens angustiados em reflexos, inserindo obstruções visuais entre nós e a figura predatória, contrapondo as temperaturas das cores para arrancar uma nova sensação sempre que é inserida uma nova gradação, com uma trilha sonora tão “tétrica” quanto sensual em sua lisergia, apostando tanto numa constância opaca quase barroca quanto na difusão e na pulsação da intensidade das luzes como um estímulo visual, com travellings revelando novas cores e novos perigos a cada nova esquina.

O maestro do macabro abandonou o whodunit cerebral e a aposta na atração do quebra-cabeça lógico e abraçou o espetáculo “sádico”, colocando prazer e dor como espelhos um do outro - a figura moderna da modelo no filme e a figura repressora, inacessível e perigosa do assassino. O lugar do crime como a sedução do olhar. Curiosamente, com um filme fracassado à época um paradigma de anos seria criado, gerando frutos nos dois lados do oceano (o slasher americano, na década de oitenta, para ficar apenas em um exemplo) e marcando mais um passo de Bava como um dos autores definitivos de horror da segunda metade do século 20.

Comentários (4)

Gian Couto | terça-feira, 01 de Setembro de 2015 - 00:47

Um dos meus favoritos do Bava. A fotografia desse é simplesmente sensacional.

Josiel Oliveira | quarta-feira, 02 de Setembro de 2015 - 00:25

Vou dar prioridade pra assistir e depois pego pra ler o texto. Parece coisa boa. Valeu!

Caio Lucas | quinta-feira, 02 de Fevereiro de 2017 - 22:28

"Confundindo a nossa leitura do ambiente com suas composições e pontos de vista claustrofóbicos, aprisionando personagens angustiados em reflexos, inserindo obstruções visuais entre nós e a figura predatória, contrapondo as temperaturas das cores para arrancar uma nova sensação sempre que é inserida uma nova gradação, com uma trilha sonora tão “tétrica” quanto sensual em sua lisergia, apostando tanto numa constância opaca quase barroca quanto na difusão e na pulsação da intensidade das luzes como um estímulo visual, com travellings revelando novas cores e novos perigos a cada nova esquina."

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