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Críticas

Cineplayers

A selvageria utópica do confuso Oliver Stone.

5,0

Selvagens (Savages, 2012) tem início com momentos de extrema violência gráfica, surgindo para o público que conhece o trabalho de Oliver Stone como uma surpreendente versão atualizada de Assassinos Por Natureza (Natural Born Killers, 1994). A violenta trama envolvendo drogas e corrupção resvala em Traffic (Idem, 2000), até que bizarramente alterna-se com uma história de amor e aventura a três, a la E Sua Mãe Também (Y tu mamá también, 2001). Quando o filme termina, inexplicavel e covardemente como um genérico de Violência Gratuita (Funny Games, 1997), o que se nota é que esse festival de referências aleatórias podem fazer mais sentido que o novo projeto de Stone, confuso em roteiro e direção.

Curiosamente, a história baseada no romance homônimo de Don Wislow (que assina o roteiro com Shane Salerno e o próprio Stone) é bem simples: a bela Ophelia (Blake Lively) é sequestrada por um bando liderado pelo capanga Lado (Benicio Del Toro) após seus dois namorados (embora ela adore um trocadilho, não a chamarei de Dona Flor), os traficantes Ben (Aaron Johnson) e Chong (Taylor Kitsch), recusarem-se a comercializar suas drogas de primeira qualidade com a chefe do cartel de drogas local, Elena Reyes (Salma Hayek). Paralelamente, apenas subtramas e personagens dispensáveis – a exceção é o corrupto agente federal Dennis (John Travolta) –, deixando um thriller de ação que poderia ser objetivo com a extensão de um épico, 140 minutos.

A perturbação de Oliver Stone se faz presente em diversos outros aspectos, a começar por sua postura diante da selvageria que move a trama. Ele atenua, justifica, até glamuriza os crimes praticados por Ben e Chong, enquanto os vilões Elena e Lado agem baseados em ganância ou pura crueldade, estabelecendo no mundo do crime uma dicotomia entre mocinhos e bandidos. Dualidade ousada, em que o diretor peca por falta de sutileza (o “traficante do bem” precisa ser um filantropo budista?) mas não por hipocrisia, pois esta é creditada à personagem O, que, em sua posição de narradora da história, apresenta uma visão utópica de suas desventuras amorosas e criminosas.

A hipótese ganha legitimidade se pensarmos que a deturpação de ideais pela juventude é um tema recorrente na carreira do cineasta, a exemplo do já citado Assassinos Por Natureza – filme em que tal crítica, representada por um casal de psicopatas que cometem delitos incentivados por repentina fama, foi apresentada de modo mais consistente. Por outro lado, se no longa estrelado por Woody Harrelson e Juliette Lewis a TV funcionava como mídia (irresponsável e) difusora dos crimes dos protagonistas, em Selvagens o realizador brinca com as inúmeras possibilidades que a tecnologia (smartphones, laptops, internet) pode oferecer aos criminosos, examinando com refinamento a capacidade da sociedade de distorcer o conceito de utilidade dessas ferramentas.

O problema é que os questionamentos de Oliver Stone só têm validade porque (e quando) fundamentados numa narrativa em 1ª pessoa, perspectiva esta abandonada por insegurança, conveniência, e/ou desleixo do próprio, que age como se pudesse permiti-los. Não faz sentido que a história, contada do ponto de vista de Ophelia, abarque também as visões dos mexicanos Elena e Lado, como ocorre na cena em que os cruéis mafiosos têm um acesso de moralismo e criticam o comportamento selvagem dos americanos, que se permitem triângulos amorosos. Pode também ter sido um deslize calculado, de um diretor que compromete a coerência do roteiro mas não compromete a si mesmo por um posicionamento controverso, artifício ainda mais lamentável. Ou o “descuido”, por resultar numa das cenas mais divertidas desse filme esquizofrênico, seria um sintoma de que o decadente Oliver Stone resolveu apelar de vez para a galhofa - e isso sim faria muito sentido, pois nenhum realizador que se leve a sério sairia da sala de montagem com um final duplamente bisonho como se mostra o desfecho de Selvagens.

Visto no 14º Festival do Rio 

Comentários (9)

Angelão | quinta-feira, 27 de Setembro de 2012 - 23:03

3

Jonas | sexta-feira, 28 de Setembro de 2012 - 21:52

Não tem escorpiões, mas tem tartaruguinhas. Hehe. Dá-lhe chicotadas. Curti, pra não sair da cabeça a semana toda. Mas gosto é gosto...

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