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Críticas

Cineplayers

Um ao outro, afinal.

7,0

Sentidos. Conseqüências de suas perdas, necessidade do outro como conforto, reaproximações, uniões, privações, novas adaptações. Em Sentidos do Amor (Perfect Sense, 2011), um tema bastante inusitado e criativo é proposto. Uma pandemia pouco a pouco tira os sentidos dos seres humanos. Seguiremos uma luta contra o tempo para a resolução desse caótico acontecimento levantando questões sem dispensar hipóteses. Seria o juízo final? Punição divina? Alguma experiência biológica que não deu certo? Sem respostas, fica a busca por soluções nesse infortúnio mundial, enquanto as pessoas não desaparecem completamente.

Aparentemente sugerido como um típico filme catástrofe, a história narrada acompanha, mais do que qualquer outra coisa, o dia a dia de um casal, o chef Michael (Ewan McGregor) e a epidemiologista Susan (Eva Green) buscando sobreviver à pandemia. Eles se conheceram casualmente, quando o homem pediu um cigarro à moça que fumava na janela. O ato serve como metáfora à história de Rapunzel que, ao atirar as tranças, é simbolicamente libertada. No caso, Susan traz um histórico de solidão predominante e relacionamentos infelizes, revelados em nuances e conversas nos diálogos intimistas com a irmã.

Um romance inicia entre a dupla, com Michael lutando para manter o restaurante que vem perdendo clientes após a dissipação do olfato. Os artifícios trabalhados pelo roteiro são interessantíssimos, como a busca por outro sentido favorecendo o contínuo consumo dos alimentos naquele lugar. De outro lado, as pesquisas de Susan não dão certo, ela se percebe impotente junto ao mundo, incapaz de lidar com a doença, assistindo o caos tomar conta e promover um retorno ao primitivismo humano. Não parece haver nada nos céus e tampouco na ciência que possa mudar tudo, restando apenas humanos sozinhos e frágeis se virando como podem, tendo somente um ao outro para se apoiar. Uma cena em particular é bem arquitetada, a qual os rostos de Green e McGregor fundem-se constituindo um só.

David Mackenzie cria um universo abrangendo empecilhos das sensações, ou melhor, da falta delas, sugerindo a todo instante sua importância e o que nos resta sem elas. Esperta, também, é a maneira em que procura esboçar o antes do surto em que um dos sentidos se vai. Fica uma graça romantizada em meio a uma tragédia assolante, cujo recurso é a companhia, desprendendo de toda a construção humana para se apegar ao contato com o outro, o que, ao seu modo, é posto como algo que realmente importa. Narrações em off feitas pela talentosa e bela Eva Green salientam em momentos iluminados – fortalecidos pela boa fotografia – um mundo de idealizações, de pequenas coisas que forma um todo belo e contemplativo. Aquele casal ali, sorrindo: ninguém imaginaria pelo que estariam passando.

São concepções que quase beiram a pieguice, mas as construções não caem no lugar comum, com lapsos de expressões filosóficas balanceando o morno roteiro. Há muito o que se refletir dali, das relações, das ações. Dispensando pragmatismos e maniqueísmos, os poucos recursos fílmicos são bem utilizados dentro de suas limitações a favor de contar uma boa história sobre o amor em comunhão. Não passa disso, não é tão ousado, é direto no que propõe sem maiores pretensões a não ser questionar o homem, o que já é uma proposta demasiada fecunda.

Comentários (1)

Patrick Corrêa | quarta-feira, 31 de Julho de 2013 - 19:45

Ótimo texto.
Gostei da proposta e a considerei bem realizada.
Sem falar que a dupla central é muito carismática.

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