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Críticas

Cineplayers

Mais um belo exemplar do cinema fantástico e íntimo de J.A. Bayona.

7,5
Certas histórias nasceram para serem contadas no cinema. Sim, Sete Minutos Depois da Meia-Noite surgiu como literatura, mas acredito que até mesmo o autor Patrick Ness concordaria que apenas a tela grande poderia dar vida ao seu conto de forma plena. Claro que qualquer livro conta com a inestimável contribuição da imaginação do leitor, mas a riqueza visual que o diretor espanhol J.A. Bayona traz para a história nessa bela adaptação fazem do cinema a mídia ideal para a trama fantástica envolvendo o garoto Conor O’Malley e a criatura que o ajuda a crescer.

Roteirizado pelo próprio Ness, Sete Minutos Depois da Meia-Noite já começa deixando claro se tratar de um conto de amadurecimento – ou, como os americanos chamam, um “coming-of-age” story –, quando a voz inconfundível de Liam Nesson diz que estamos diante de uma história sobre um garoto que “é muito velho para ser criança e muito jovem para ser um homem”. A partir daí, o espectador um pouco mais doutrinado já sabe exatamente como a trama irá se desenrolar, o que não chega a ser um problema. Se o filme traz poucas surpresas em termos de reviravolta de enredo, os realizadores compensam com uma história contada de maneira sensível, com personagens bem construídos, forte senso estético e um equilíbrio quase perfeito entre os temas mais pesados da trama e o lado fantástico.

Encontrar esse ponto de intersecção entre os variados assuntos talvez tenha sido o grande desafio de Bayona e Ness. Sete Minutos Depois da Meia-Noite é, ao mesmo tempo, um filme sobre o câncer, um relato de amadurecimento e uma história de fantasia, conceitos que podem parecer incongruentes quando enunciados na mesma frase. No entanto, a obra é extremamente hábil ao navegar entre esses elementos, fazendo com que um complemente o outro, usando um trunfo para aglutinar toda a narrativa: a cuidadosa construção dos personagens.

No desenrolar do filme, fica claro que uma das principais mensagens da história é a de que as pessoas sempre são mais complexas do que parecem ser. Como é dito em certo momento pelo monstro: “Nem sempre há mocinho e nem sempre há vilão. A maioria das pessoas está no meio disso.” O bom é que Bayona e Ness entendem isso e conseguem transportar essa percepção para a sua obra, desenvolvendo personagens tridimensionais, tomados por dores, culpas e sonhos (boa parte deles não realizados), criando uma forte identificação entre eles e o espectador – mesmo com um primeiro ato razoavelmente apressado.

Quando um filme consegue tornar seus personagens críveis, boa parte do caminho está percorrido. Ajuda, claro, que o roteiro de Ness se revela bastante inteligente, transformando em metáforas as histórias contadas pelo monstro a Conor. Assim, a trama acaba adquirindo significados maiores, uma vez que aquilo que se vê na tela normalmente está lá não para ser interpretado literalmente, mas como representação de um sentimento do protagonista. Por vezes esse simbolismo resvala na obviedade, e ocasionalmente há um desnecessário excesso de exposição (como o que ocorre no clímax), mas essas história em camadas dá a Sete Minutos Depois da Meia-Noite o lastro que o diferencia de outras produções mais simples.

Infelizmente, a narrativa ainda é afetada por outros problemas, como o mistério bobo que o roteiro faz em torno de quem exatamente deverá ser curado pelo monstro, algo que o espectador sabe de cara, mas que o filme guarda como se fosse uma grande revelação. Da mesma forma, alguns diálogos resvalam em lugares-comuns (“O que importa não é o que você pensa, mas o que você faz”) e, quando o espectador vê uma cena de colégio na qual colegas maiores provocam o protagonista, é inevitável se perguntar: até quando roteiristas e cineastas vão usar o recurso do bullying na escola para mostrar a inadequação de um personagem?

Mas são pequenos deslizes quando comparados ao nível de realização que Bayona consegue alcançar. Sete Minutos Depois da Meia-Noite é o tipo de filme que, em outros tempos, cairia como uma luva nas mãos de Tim Burton, mas é difícil negar o fato de que o cineasta espanhol foi o diretor certo para a história. Aliás, sua habilidade em equilibrar o fantástico com a jornada particular dos personagens já não é surpresa para quem assistiu a O Orfanato e a O Impossível (embora neste último o fantástico não surja como algo sobrenatural, mas como um tsunami). Bayona conduz sua obra de maneira delicada, sem cair no melodrama – algo que um diretor menos talentoso provavelmente faria, diante do tema em questão –, e mantém o foco sempre no arco dramático de Conor, mesmo quando o lado menos realista da história assume a frente.

É nesse momento que o cineasta revela seu avançado apuro visual, a começar pelos constantes raccords, que garantem maior fluidez ao filme – o meu favorito é o belíssimo momento no qual uma lágrima parece cair pelo olho de um personagem, para aos poucos se revelar um vidro com gotas de chuva que abre a próxima cena. Mas é inevitável afirmar que os momentos mais impressionantes de Sete Minutos Depois da Meia-Noite, e que dão à história todo o potencial que ela não tinha apenas com a palavra escrita, são as animações que acompanham os relatos do monstro: com um estilo único e transições extremamente criativas, esses instantes não elevam apenas os contos em si, mas o próprio filme como um todo – e fazem com que lamentemos que a terceira história não utilize o mesmo recurso.

O elenco é outro ponto a favor da obra. Se Felicity Jones certa ao defender sem afetações a personagem com doença terminal, Sigourney Weaver também se sai bem com um papel mais difícil do que parece à primeira vista, enquanto Liam Neeson surge como mentor/guia pela enésima vez em sua carreira (embora aqui seja apenas com a voz). Mas o filme é mesmo do pequeno Lewis MacDougall, que se revela um ator completo, levando Conor em sua trajetória sem jamais dar um passo em falso, sempre traduzindo de forma certeira os difíceis e por vezes contraditórios sentimentos do personagem. Seu trabalho é tão bom, aliás, que é possível apontar momentos nos quais sua composição se traduz em detalhes que podem passar despercebidos, como quando sua respiração se torna ofegante ao entrar no quarto de hospital de sua mãe para uma conversa que ele sabe que será difícil.

Embora o título nacional não faça muito sentido (já que, em determinado momento, o monstro também surge ao meio-dia e sete), Sete Minutos Depois da Meia-Noite revela-se um bonito e tocante filme sobre o poder da imaginação como recurso para lidar com a dor e a perda. É um tema que rende histórias desde que a narrativa ficcional existe, mas J.A. Bayona pode ficar tranquilo: seu filme está longe de fazer feio junto aos grandes.

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