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Críticas

Cineplayers

Toda nudez será castigada.

5,0

Nos terrenos moralistas de Hollywood, as comédias contemporâneas tendem a obedecer à “moral” e aos “bons costumes” da família média norte-americana. É um mercado cada vez mais comportado. Não pelo domínio do politicamente correto, pois o termo traz consigo inúmeras complicações a serem destrinchadas, mas por uma tremenda falta de ousadia, qualquer que seja o tema. Nesse cenário, os Irmãos Farelly, Judd Apatow e Sacha Baron Cohen aparecem como legítimas exceções comerciais, produzindo um cinema sem medo da escatologia ou do sexo para efeito cômico.

Abordando um tema bastante atual, algo cruel para muitos (sobretudo para as mulheres), Sex Tape - Perdidos na Nuvem (Sex Tape, 2014) sugere um abraço a esse estilo de comédia ao contar a história de um casal (Cameron Diaz e Jason Segel) com filhos e inúmeras responsabilidades, cujo sexo, tão ativo em seus tempos áureos, torna-se escasso dentro do padrão de vida familiar por eles adotado. Para apimentar a relação, decidem, por puro fetichismo, gravar um vídeo com ambos transando, o qual acaba caindo, por vacilo do marido, na “nuvem” de todos os iPads dados de presente para pessoas próximas ao casal. Conforme uma estrutura narrativa básica, os dois saem em busca de todos os aparelhos para apagarem o vídeo. Evidentemente, encontram incontáveis obstáculos absurdos pelo caminho.

Na imagem reside o poder de catarse, ou seja, o vídeo não apenas motiva as ações dos personagens, mas serve enquanto fuga momentânea de suas vidas banais. A imagem restaura-lhes o vigor há muito perdido, o mesmo acontecendo com outro casal que assiste à gravação. Diferentemente da defesa que Bazin fazia da fotografia e do próprio cinema enquanto meio (quase) religioso de captura e eternização da existência, o vídeo em Sex Tape consiste muito mais no sintoma de uma sociedade em constante auto representação. Por outro lado, é intrínseca à obra a discussão sobre os perigos de tais gravações em um mundo onde o privado se confunde facilmente com o público, sobretudo para a mulher, que sofre mais radicalmente as consequências do vazamento de materiais dessa espécie.

Estruturando-se em um humor semelhante ao do supracitado Sacha Baron Coen ou do famoso grupo Monty Python, onde as piadas são dilatadas ao máximo, Jake Kasdan excede qualquer limite, saturando alguns bons momentos. Sobretudo pelas “sacadinhas”, referências sempre metidas a espertas no desejo incessante de ser cool. Lembrei-me de um episódio da série Seinfeld em que Jerry dá a dica ao seu amigo George Constanza: o bom comediante sai no momento exato, sem extrapolar na piada. Sex Tape, afinal, é uma gag estendida, embora haja momentos genuinamente engraçados, mais exceções do que regras. E Jake Kadsdan o humorista novato que se empolga quando riem dalguma graça e não sabe bem quando parar.

Mesmo as piadas de teor sexual mais forte são, de certa maneira, recatadas. Não há nudez completa, note-se. É o purismo hollywoodiano censurando o corpo. Os personagens são exibidos apenas de lingerie ou pagando bundinha. Assim, o discurso moralista engole o politicamente incorreto – não emprego, aqui, o termo em seu sentido deturpado. No final, tudo se resolve e prevalece a ideia da família enquanto ponto de salvação, introduzido explicitamente pelo personagem de Jack Black e adotado enquanto postura ideológica pelo filme. Nesse sentido, nada há de ousado em Sex Tape. Ao contrário: insere-se sem restrições em uma típica comédia familiar norte-americana, somente se diferenciando pela classificação indicativa.

Faço um mea culpa ao admitir o tom pessimista do meu texto, quase apocalíptico. Entendam: sou um fã convicto do gênero. E fico realmente frustrado quando um projeto com grande potencial e uma meia dúzia de piadas realmente boas abre as pernas sem nenhuma cerimônia para o pudismo da indústria cinematográfica norte-americana. Aliás, minto: abrir as pernas seria radical demais para um filme como Sex Tape.

Comentários (8)

Letícia Coelho | quinta-feira, 21 de Agosto de 2014 - 15:28

To com muita vontade de ver esse filme, mas pelo texto já vi que tem muito clichê rs😏

Natacha Alana | quarta-feira, 27 de Agosto de 2014 - 18:27

pra mim já vale a pena só pra ver esse Segel/Marshall na telinha

Ian P. B. | domingo, 21 de Setembro de 2014 - 11:15

Eu nunca vi esse filme... E também não vou ver. Baseado no nome do filme que é "Sex Tape" e na descrição do filme nesta página - "Um casal passa uma noite longe dos filhos e, para apimentar a relação, grava um vídeo caseiro de sexo. Quando a fita some, os dois a procuram desesperadamente.", eu considero o filme uma falta moral. Acho que deveriam explorar outros gêneros/assuntos... Por que tinha que ser logo esse? A mesma coisa com o filme... Que eu me lembro se chama "Infidelidade".😐

Victor Ramos | quarta-feira, 25 de Fevereiro de 2015 - 04:56

hahaha o cara falando em moral. Está de brincadeira, só pode. Cinema é amoral, tv é amoral, literatura é amoral, música é amoral, a arte em geral é amoral - toda ela é transgressora. Sexo é amoral. É por isso que tem muita gente fazendo voto de castidade, tirando a tv de casa, cortando a internet etc, porque tudo isso é incompatível com qualquer conceito retrógrado de "moralidade". Um conselho: se quiser crescer e aprender com o mundo, vale a pena cortar um pouco os preconceitos.

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