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Críticas

Cineplayers

Quando Shakespeare amou.

8,0

Há muitos que se dizem imune às premiações de cinema, e até torcem o nariz para a mais midiática de todas. Tá certo que premiação nenhuma é garantia de qualidade, mas é fato que em algum momento, por mais rápido e insignificante que seja, exista uma centelha de curiosidade quando anunciam os indicados ao Oscar a cada ano, e lá no fundo sempre torcemos por algum nomeado, em qualquer categoria que seja. Essa torcida muitas vezes secreta – nem sempre tão bem vista no meio cinéfilo – veio à tona em uma avalanche na noite de premiações do Oscar 1999, quando céticos e fanáticos saíram em sua maioria indignados de ver Roberto Benigni levando o prêmio de melhor ator por A Vida é Bela (La Vita è bella, 1997), Steven Spielberg de melhor diretor por O Resgate do Soldado Ryan (Saving Private Ryan, 1998), o horrendo Amor Além da Vida (What Dreams May Come, 1998) por melhor melhores efeitos visuais, e em especial Gwyneth Paltrow e John Madden, respectivamente de melhor atriz e melhor filme, por Shakespeare Apaixonado (Shakespeare in Love, 1998).

Fora as polêmicas com Spielberg e Benigni, quem levou o prêmio principal da noite foi a comédia romântica de época de um diretor pouco conhecido, o primeiro filme do gênero subvalorizado a levar o Oscar desde Noivo Neurótico, Noiva Nervosa (Annie Hall, 1977), de Woody Allen. Foi um divisor de opiniões; enquanto alguns críticos defenderam o filme até o fim, outros simplesmente o desprezaram. Fora que todos brasileiros que estavam na torcida por Fernanda Montenegro na categoria de melhor atriz, por Central do Brasil (idem, 1998), tiveram que aguentar a cara de tacho da atriz ao ver o prêmio ser entregue para Gwyneth Paltrow, a estraga-prazeres da noite. Ao contrário do valor momentâneo que o Oscar costuma oferecer aos seus ganhadores, principalmente em termos de bilheterias, os prêmios arrecadados por Shakespeare Apaixonado parecem só ter despertado certa repulsa de alguns, que os consideravam injustos. Com o tempo isso foi se agravando e hoje ele é visto por muitos como um filme mediano que levou uma porrada de Oscar sem necessidade – maldição que acometeu também trabalhos inofensivos como Entre Dois Amores (Out of Africa, 1985), de Sydney Pollack.

De certa forma, toda essa publicidade que ganhou acabou ofuscando seu próprio conteúdo, e hoje ninguém parece conseguir assisti-lo sem relembrar de sua turbulenta passagem pelo Oscar – um efeito um tanto dramático que prova o quanto muitos levam mais a sério as premiações do que os filmes em si.  E isso é uma pena, pois Shakespeare Apaixonado é sim um trabalho muito bonito e singelo, que abraça sem medo o romantismo de seu texto pelo simples fato de que brinca com uma figura real – ninguém menos que William Shakespeare. E como seria possível contar a história de William Shakespeare sem apelar para o romantismo? Afinal, depois de tanto ler seus poemas, pensamentos e histórias de amor, talvez nunca tenhamos parado para pensar: será que o próprio Shakespeare vivenciou algo remotamente parecido com isso? Será que ele também enfrentou as tais borboletas no estômago, a gagueira, os olhares furtivos, e todo o resto do pacote? Se isso de fato aconteceu ou não, nunca vai dar pra ter certeza, já que pouco se sabe sobre sua vida pessoal, então coube a John Madden construir uma ficção em volta dessa curiosidade e criar não uma história de amor inspirada em alguma obra de Shakespeare, mas sim uma história de amor que tenha inspirado o mesmo a escrever as suas próprias.

Nessa de brincar com um personagem real sem nenhum compromisso com fatos, Madden faz seu próprio romance, que por mais clichê e bobinho que possa parecer, não deixa de lado a inocência mista em malícia da época em que retrata. Em plena era elisabetana, onde os homens se valiam de cortejos e mesuras para conquistar suas amadas e as mulheres sequer podiam esboçar qualquer reação muito chamativa em público, Shakespeare (Joseph Fiennes) se encontra numa crise criativa. Deve criar uma nova comédia para impedir a falência do teatro pelo qual foi contratado, mas não consegue ter ideias cômicas agora que se encontra perdidamente apaixonado por Viola De Lesseps (Paltrow), sua nova musa inspiradora – que infelizmente só o inspira a escrever de amor, enquanto a Rainha Elizabeth (Judi Dench, também premiada pelo Oscar de atriz coadjuvante, por uma participação mínima, embora bem destacada) exige uma nova peça que a faça rir. Viola, romântica por natureza, e que sonha em um dia ser atriz, apenas para poder recitar os poemas de amor do seu amado compositor, tem de se fazer passar por homem para atuar na peça Romeu e Ethel (futuramente Romeu e Julieta), visto a proibição da época para mulheres exercerem a profissão de atriz. Agora ambos trabalham lado a lado no palco, encenando o amor secreto que sentem um pelo outro, usando travessamente o teatro para gritar aos quatro ventos seus sentimentos mútuos, na frente de todos e sem que ninguém perceba nada.

A poesia dos diálogos – cortesia do roteiro de Tom Stoppard (dito especialista em Shakespeare) inteiramente inspirado nas obras do próprio personagem-título, como não podia deixar de ser – carrega essa doce comédia romântica em um trajeto bastante previsível, porém tocante. Nada soa gratuito, superficial ou apelativo, mesmo tendo um tema tão potencialmente meloso em mãos. Por mais que haja certa teatralidade nas gesticulações, floreios na proclamação das falas, e notável elegância no caminhar pelos cenários, Shakespeare Apaixonado jamais parece açucarado demais, ou enjoativo demais.

E toda sua classe não impede que o filme brinque com alguns clichês do gênero (impagável a cena em que o personagem principal invade uma embarcação e diz “siga aquele barco!”, revivendo aquelas constantes de filmes românticos em que pessoas entram em taxis e ordenam ofegantes para que o motorista siga o carro que transporta seu amado ou amada pelas ruas da cidade), além de recriar com muito bom humor uma espécie de mundo do show business à moda antiga, representando as competições no mercado, os produtores que só visam lucros, os diretores e roteiristas tendo suas obras mutiladas, os atores em batalhas de egos, os bloqueios criativos etc. – tudo devidamente pontuado por um elenco de apoio repleto de figurões, como Colin Firth, Rupert Everett, Geoffrey Rush, Imelda Staunton, Bem Affleck e Tom Wilkinson.

O grande desafio proposto pela Rainha Elizabeth para Shakespeare era que ele conseguisse transmitir a verdadeira natureza do amor através de sua peça. Se ele conseguiu realizar a tal proeza ou não, eu não poderia dizer, assim como não posso afirmar se, de fato, há alguém capaz de fazer isto. Mas fica claro que John Madden tentou e, pelo jeito, venceu o desafio aos olhos dos membros da Academia, que decidiram premiar seu filme com sete estatuetas. Se foram merecidas ou não, isso já não importa, pois o prazo de validade de um Oscar é curto (vendo hoje, ter levado um Oscar há mais de dez anos atrás não significa muita coisa para os vencedores daquela noite), de modo que seu devido valor está escondido em algum lugar atrás de toda essa atenção indevida e desfocada que recebeu, e vale a pena ser descoberto por aqueles que o conseguirem encontrar.

Comentários (33)

Matheus Veiga | segunda-feira, 04 de Fevereiro de 2013 - 13:56

Gwyneth Paltrow ganhar o oscar naquele ano? pfvr ridiculo.

Vinícius Oliveira | sexta-feira, 14 de Junho de 2013 - 23:37

Olha, citaram aquí até Romeu + Julieta de 1996, e devo dizer, tirando a atuação brilhante de Leonardo DiCaprio, atuação esta que lhe rendeu o papel de protagonista em TITANIC no ano seguinte, esse filme Shakesperiano é uma ofensa aos olhos, uma terrível adaptação. Quanto ao SHAKESPEARE APAIXONADO, realmente, não dá pra entender o pq de tantas estatuetas, pois o filme consegue ser monótono em grande parte, e todo aquele e aquela que não for um romantico convicto, ficará frustrado ao término do filme. Bom, não será o primeiro, nem o ultimo filme contestado na premiação do Oscar, já ví atrocidades piores!!!

Cristian Oliveira Bruno | sexta-feira, 22 de Novembro de 2013 - 15:05

Horrível!!! Menosprezante!!! Esse filme é uma atrocidade!!! Joseph nao deveria carregar o sobrenome que tem. Paltrow é uma desgraça!!! Não sustenta nem comercial de coca-cola!!! E reclamam de Roberto Benigni??? A Vida É Bela é lindo, infinitamente superior a essa bosta!! Me obrigaram a fazer um trabalho na escola sobre esse filme. Tive que assistir. Nunca vou perdoar a Dona Lúcia, minha professora!!!

Fabricio | sexta-feira, 19 de Junho de 2020 - 00:36

O filme é fraquíssimo. Tem uma cena ou outra legal, não é dos piores que eu já vi, mas sem dúvidas não merecia os Oscars que ganhou. Acho que nem indicação. E depois de ter visto no youtube que o Harvey Weinstein, produtor do filme e ex-dono da Miramax comprou os prêmios com a campanha suja que ele fez, só deixa o filme ainda pior. Acho que os diálogos ficaram forçados demais. Os protagonistas são sem sal. As piadas não tem graça. E sobre a crítica do site onde fala: “ Nada soa gratuito, superficial ou apelativo...” eu discordo totalmente, pois pra mim o roteiro em sua totalidade é superficial e previsível sim! Qd vemos quem eram os outros indicados nas categorias que esse filme ganhou, só o tornam ainda pior. Enfim, são vários os fatores externos que influenciam na minha avaliação e na de muitos outros, mas mesmo se ñ tivessem todas essas questões, ainda assim não seria um filme digno de Oscar.

Walter Prado | sexta-feira, 19 de Junho de 2020 - 19:31

Acho o filme uma delícia, é mais um exemplo de filme onde as vitórias do Oscar fazem ele ser odiado, e neste caso mais fervorosamente aqui no Brasil, por causa de Fernanda Montenegro. Não era o melhor filme do ano? Não. Mas foi um ano bem fraquinho e se ele não vencesse, Soldado Ryan venceria, e este é menos merecedor ainda.

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