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Críticas

Cineplayers

O caçador na montanha.

7,5
As paisagens exuberantes são obstinadamente captadas pela cinematografia expressiva de Aitor Mantxola, revelando a vida selvagem que habita na primavera fria e o manto branco que encobre a montanha durante o excruciante inverno. A partir de drones que passeiam pelo céu da montanha, temos dimensão espacial do que é aquele universo bucólico e primitivo, e o quão improvável pode ser a existência humana ali. No entanto, alguém caminha nesse lugar e deixa marcas no gelo que não demoram a desaparecer quando o vento gélido sopra. Em meio a canídeos e cervídeos, um homo sapiens, o predador supremo solitário que ocupa o posto dos lobos. Estamos no final do século XIX e um homem, sozinho, torna-se foco de nossa atenção quando o assistimos vagar, comer e caçar. 

O filme reserva pelo menos os primeiros 20 minutos para ambientar a história e mostrar a contínua rotina de seu protagonista (Mario Casas, ótimo) isolado numa montanha gelada, um insistente proprietário de terra que se mantém em meio às ruínas de uma vila desabitada, vizinho de um cemitério cujas cruzes representam a extinção dos antigos moradores. Recentemente ele perdeu seu cachorro, único companheiro que já estava adaptado às agressivas condições locais. Ao descer a montanha, durante visita a uma vila, alguém o aconselha: poderia arranjar outro cachorro ou, quem sabe, uma mulher?!

O lacônico caçador compra uma esposa. 

Em certo instante, havia dito que, sem filhos, sua herança não ficaria para ninguém, pois, antes de morrer, incendiaria tudo que construiu. Com uma esposa, no entanto, os planos transmutaram e o futuro passou a ser questionado. A rotina mudou. Aí vemos a condição da mulher na época, vendida a troco de moedas e pele de animais. Na casa, a mulher aparece apenas enquanto alguém que ajuda com serviços domésticos, que cozinha, que suja as mãos com a terra ou com o sangue dos animais durante o esfolamento. Também é aquela que irá gerar um herdeiro. 

As cenas de sexo exteriorizam bem como é a relação do casal do ponto de vista do homem que procura a mulher com brutalidade. Estas cenas são sempre violentas e breves; transam como animais. Sexo com função de gerar vidas. Só. Sem prazer. 

Durante uma negociação de compra de peles, uma reflexão a respeito da caça surge: ao trazer pele de lobos, o caçador fala sobre um dos animais mortos morrer com filhotes no ventre, significando que, no próximo inverno, teria menos animais para caçar e menos pele para vender. O raciocínio condiz com a situação em que vive e que percebe sempre quando enxerga as cruzes no cemitério fantasma da vila, aguardando-o a qualquer instante. Quem sabe se, no próximo inverno, por ali só existam cervos e lobos. 

Entre tantas cenas simbólicas, aquela cujo caçador lança uma espécie de berço em madeira contra rochas é particularmente tocante, já que intensifica a consideração sobre aquele meio ser um lugar de morte, não de vida.

O roteiro absorve com competência a alegoria imagética que é tão bem trabalhada pela fotografia, já que conduz a narrativa a partir de imagens que contam a história independentemente de qualquer diálogo. São gestos e sons, tal como é na natureza. Essa decisão é bastante inteligente por se apropriar de sons que estimulam a atenção do espectador e que conseguem criar arcos narrativos, como o sacrifício inicial com posteriores sofridos murmúrios humanos. 

Este é o silencioso e idôneo trabalho de Samu Fuentes. Pouco se diz e muito se vê numa obra que divaga mais do que deveria e deixa o exercício de contemplação mais custoso do que precisava, o que não compromete o poder que suas imagens possuem. 

Comentários (1)

Tiago Cavalheiro | segunda-feira, 30 de Julho de 2018 - 22:02

Preciso ver este Marcelo, tá na lista. Mais curioso ainda depois deste texto.

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