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Críticas

Cineplayers

Um filme sobre a Guerra Fria que resistiu ao teste do tempo e hoje pode ser encarado ainda como uma obra-prima.

9,0

Na época do lançamento de Sob o Domínio do Mal, a Guerra Fria ainda pairava como uma ameaça sobre o mundo. O conflito ideológico entre o capitalismo e o comunismo começava a se recuperar da paranóia do McCarthysmo, mesmo que estivesse longe de acabar, como ficou comprovado com a crise dos mísseis de Cuba. Durante esse período, incontáveis produções chegaram ao cinema tratando do tema das mais diversas formas. Algumas se perderam em mera propaganda, outras funcionaram para a sua época e, ainda, houve as que conseguiram resistir ao cruel critério do tempo. Sob o Domínio do Mal encaixa-se nessa última categoria.

A trama tem início em 1952, na Guerra da Coréia. Um batalhão de soldados americanos é capturado e sofre uma espécie de lavagem cerebral por especialistas russos. Quando retornam, o sargento Raymond Shaw é agraciado com a medalha de honra. No entanto, um dos integrantes do batalhão começa a ter sonhos estranhos, desconfiando que há algo errado com Shaw e que ele está sendo manipulado por comunistas para cometer algum crime que pode desestabilizar o país.

Sob o Domínio do Mal é, provavelmente, o melhor filme realizado pelo falecido Franhenheimer. É uma produção praticamente impecável, onde todas as peças se encaixam de forma exemplar. Possui um roteiro surpreendente, que combina consciência política com desenvolvimento dos personagens, boas atuações e uma direção incrivelmente segura, que mantém a tensão e o ritmo até a conclusão da obra.

As qualidades do filme podem ser percebidas logo em seu início. Os primeiros quinze minutos de Sob o Domínio do Mal já funcionam como uma porrada no espectador e parecem não ter perdido seu impacto ao longo dos anos. Em um interessantíssimo trabalho de edição e direção, o espectador acompanha o batalhão sendo apresentado diante do grupo responsável pelo plano. No entanto, os soldados acreditam estar diante de um grupo de jardineiras, fato que Franhenheimer captura com brilhantismo, ao intercalar imagens de senhoras com as dos homens que os capturaram. Além disso, os dois assassinatos ocorridos logo nesses primeiros minutos demonstram coragem por parte de Frankenheimer e do roteirista George Axelrod, deixando bem claro que Sob o Domínio do Mal não será um filme covarde; pelo contrário, terá muito a oferecer.

Talvez mais satisfatório do que acompanhar essas primeiras cenas é perceber que a obra não perde sua qualidade e ritmo até o “The End” surgir na tela. Em uma época onde ainda era dada importância à história, é do roteiro de Axelrod que vem grande parte da força do filme. Seu grande mérito é conseguir equilibrar de forma magistral o desenvolvimento de cada personagem com as surpresas da trama. Outrossim, Axelrod não deixa de fora os comentários acerca do cenário político do momento, ganhando mais alguns pontos pela ousadia. Não obstante as referências diretas à Guerra Fria e ao comunismo – talvez aí more a maior surpresa de Sob o Domínio do Mal – o filme não parece datado visto hoje em dia. Esse fato pode ser atribuído ao restante das qualidades da obra, que conseguem superar o problema de a história ser característica de uma determinada época. Isso porque, mais do que um filme-símbolo de um tempo, Sob o Domínio do Mal é, pura e simplesmente, Cinema em sua melhor forma.

Como todo grande filme, Sob o Domínio do Mal apóia-se no tripé direção/roteiro/atuações. Se os dois primeiros já foram comentados aqui, é fundamental oferecer algumas linhas ao trabalho do elenco. Nesse sentido, o grande destaque é, indiscutivelmente, a brilhante performance de Angela Lansbury. Aproveitando-se do rico material em mãos, Lansbury constrói uma personagem fascinante na figura da mãe de Raymond Shaw. Manipuladora e altamente perigosa, ela não hesita em utilizar seu próprio filho para atingir os objetivos. Lansbury incorpora a sra. Iselin de forma magnífica, transformando-a em um personagem digno de entrar na galeria dos maiores vilões da Sétima Arte.

Mas se Lansbury é o destaque, o restante do elenco segue logo atrás. Laurence Harvey parece, no início, ser um ator inexpressivo, incapaz de assumir um papel de tamanha importância. No entanto, no decorrer da obra, Harvey vai crescendo, demonstrando sutileza e talento em momentos importantes, como na conversa que tem com Sinatra. O cantor, aliás, é outro que se sai bem, mostrando a dualidade de seu personagem, que tenta manter-se centrado na solução do problema ao mesmo tempo em que enfrenta seus problemas relacionados ao que o grupo passou.

Sob o Domínio do Mal apenas não recebe nota máxima por pequenos deslizes por parte de Frankenheimer e Axelrod. Em certos momentos, por exemplo, paira a dúvida a respeito de Shaw estar ou não sob o efeito da hipnose, confundindo o espectador. Da mesma forma, o roteiro passeia por caminhos desnecessários, como a mal explicada inserção da personagem de Janet Leigh ou a cena envolvendo outro soldado do batalhão sofrendo com o sonho que atormenta o personagem de Sinatra. São situações que não comprometem o resultado final, mas também nada acrescentam à trama.

Mesmo tendo se passado mais de quarenta anos de seu lançamento, Sob o Domínio do Mal continua atingindo altos níveis de suspense e tensão, justificando sua alcunha de clássico. Continua uma referência do gênero, tanto que recebeu uma refilmagem em 2004, dirigida por Jonathan Demme e estrelada por Denzel Washington e Meryl Streep. E o fato de a obra de Frankenheimer ser mais lembrada que a nova versão já diz muita coisa.

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