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Críticas

Cineplayers

A sociedade regida pelo astro rei.

9,0
"Tavinho Teixeira volta a abrir um filme com sexo explícito", ouvi após a primeira sessão de Sol Alegria no Olhar de Cinema. Minha sessão era a segunda, não pude argumentar. Bom... que bom que no cinema de Tavinho as pessoas gostam de praticar sexo oral. Que bom que alguns cineastas brasileiros curtem sexo; Gustavo Vinagre, Cláudio Assis, Neville D'Almeida, Julio Bressane, Fábio Leal, Luiz Rosemberg Filho, obrigado por formarem junto a Tavinho e sua filha Mariah um grupo de realizadores sem moralismos, estéticos e conceituais, e entendem que poucas coisas são mais naturais que sexo. Inclusive a violência é menos natural que o sexo, sempre bom lembrar. Confesso que Batguano me preparou para esse Tavinho Teixeira que agora abraça ainda mais a anarquia junto a filha, e que não precise necessariamente de sexo para que seu recado seja dado. Sexo faz parte da vida, e Tavinho apenas o contextualiza.

Se tivesse que batizar esse projeto familiar, utilizaria a palavra esperança. Sol Alegria é um filme que abraça uma vontade muito forte de mudar o sentimento comum do país hoje, de tirar a impotência generalizada com uma potência de energia reprimida que precisa ser exacerbada e vivida, que é típica nossa; o filme tem essa capacidade de nos devolver prazer, e taí mais um exemplo de como o sexo é apenas um elemento que ilustra o todo, que é muito mais do que o hedonismo típico retratado no cinema. A beleza que transpira do longa é um estado de espírito natural, uma força de vibração capaz de agenciar mudanças reais na sociedade. O movimento entitulado Sol Alegria move a narrativa, e também é ele próprio responsável por sua cara.

Famílias disfuncionais não são uma novidade no cinema, mas Tavinho dá um sabor especial às suas. Se em seu longa anterior, Batman e Robin eram um casal com necessidade de transformação, aqui o núcleo formado pelos próprios Tavinho e Mariah, mais Joana Medeiros e Mauro Soares (que também estará no vindouro Antônio Um Dois Três) não tem crises ou entreveros elevados; a crise está fora deles. Depois de assassinar o principal candidato às próximas eleições, um pastor evangélico, a família precisa recarregar as energias e dar um tempo de sua imagem procurada, e é na sede da falange Sol Alegria que eles irão se restabelecer para as próximas batalhas. Comandado pelo melhor grupo de freiras visto em anos no cinema, eles tomam posse de um mapa salvador da humanidade.

Uma das mais belas responsabilidades que Tavinho e Mariah incutem em seu filme é um senso de motivação particular, que tem entendimento do cinema a sua volta e suas inspirações desconstruídas, que vão de Almodovar a Fassbinder, mas acima de tudo já internalizaram o próprio cinema, que conversa com o público de maneira individual promovendo o coletivo como forma de salvação. Se em Batguano, uma aura de melancolia calava fundo em seus protagonistas, Sol Alegria entende que seremos potências enquanto seres humanos quanto mais livres e radiantes formos, sem resquício de julgamentos e dispostos à comunhão de desejos e empatia irrestrita. Isso também é uma pretensão da própria iconografia pensada pelo filme, que filma os espaços e os seres com vivacidade e frescor, com a luz incandescente de Ivo Lopes Araújo e direção de arte luxuosa de Thales Junqueira.

Tavinho e Mariah conseguem de fato uma autoralidade que não é dividida com muitos outros realizadores. Tem referências a estética imagética de seriados americanos dos anos 60 e 70, tem uma voltagem erótica naturalista que remete a franceses também dos 70, tem uma explosão de cores que sugere uma passagem tropicalista, e ao mesmo tempo a artificialidade não impede o afeto de se fazer presente em nenhum momento, onde cada ser parece verdadeiramente preocupado e conectado com o outro. Tudo isso misturado dá o sabor ultra original que o nosso cinema atualmente tem, com possibilidades de gênero, possibilidades femininas, possibilidades étnicas, possibilidades estéticas... e Tavinho e Mariah vem entregar uma nova proposta possível, dando uma nova camada ao cinema brasileiro contemporâneo.

Filme visto no Olhar de Cinema de Curitiba

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