Saltar para o conteúdo

Críticas

Cineplayers

Um filme que ameaça ser algo mais, mas se perde na falta de ousadia do roteiro.

6,0

As melhores ficções-científicas são um reflexo da sociedade. Claro que, ao longo dos anos, o gênero funcionou centenas de vezes como um mero veículo para diversão, com histórias de aventuras passadas no espaço e sem maior conteúdo. No entanto, autores como Phillip K. Dick, Isaac Asimov, Aldous Huxley, George Orwell e outros perceberam que narrativas situadas no futuro poderiam servir como forma de questionar temas, valores e condições do mundo em que vivemos. Por aí surgiram algumas das maiores obras da ficção-científica, aquelas que são cultuadas até hoje por milhões de fãs pelas ideias e reflexões propostas.

Nem tudo, porém, é preto e branco. Entre criações vazias e outras mais densas, existem também as que ficam pelo meio do caminho, sugerindo temas interessantes, mas jamais os desenvolvendo de maneira satisfatória. É o caso, por exemplo, de Substitutos, novo filme do diretor Jonathan Mostow. A história é situada em um futuro próximo, onde as pessoas utilizam andróides para desempenharem suas tarefas no dia-a-dia, enquanto ficam em casa controlando os autômatos apenas com a mente. Essa vida segura é interrompida quando um ataque aos chamados Substitutos acaba tirando a vida dos controladores, e os agentes Greer e Peters são chamados para investigar o caso.

Escrito pelos irregulares Michael Ferris e John D. Brancatto, o filme de Mostow leva algum tempo para conseguir fazer o espectador acreditar naquele mundo. Durante os primeiros quinze ou vinte minutos, acompanhar Bruce Willis e Radha Mitchell com pele lisa e perfeita e olhar inexpressivo (sem falar na peruca emo loira de Willis) é apenas bizarro. Claro que, aos poucos, isso se torna mais natural e chega até a se tornar uma ideia interessante do filme, especialmente quando Mostow apresenta a contraposição entre a textura de borracha dos robôs e as rugas e barba mal-feita do personagem em carne e osso de Bruce Willis – nesse sentido, o cineasta também acerta ao dar destaque os machucados do agente Greer.

E é exatamente quando trata do tema “ser humano vs. máquinas” que Substitutos dá sinais do que poderia ter sido. Desde as primeiras cenas, o filme apresenta um contexto promissor, levantando a questão: “Devemos viver a nossa vida através das máquinas?” Pode não ser original (filmes como Matrix e WALL·E, só para citar dois, já fizeram isso), mas é uma discussão sempre válida. O problema é que a ideia é jogada na mesa, mas não desenvolvida. A partir daí, a cada nova cena o filme acaba fugindo de seu promissor ponto de partida, optando por deixar a reflexão e a discussão de lado para se focar em uma trama policial capenga, que jamais faz muito sentido.

O enredo de Ferris e Brancatto é repleto de clichês e situações que não conseguem fugir do lugar-comum. Ao longo da projeção, o espectador é obrigado a acompanhar uma série de artifícios aos quais já está mais do que acostumado, como o policial que decide seguir a investigação mesmo sem o apoio de seus superiores, o trauma do passado e as reviravoltas que tentam surpreender, mas não possuem muita lógica. Além disso, o roteiro se permite furos e questões não respondidas: até agora não entendi por que o crime caiu a zero com o surgimento dos Substitutos - com a possibilidade de se “mascarar”, tenho certeza de que as pessoas tomariam ainda mais atitudes ilegais (uma explicação até poderia ter surgido mais tarde com o hacker, mas ele diz claramente que o que fez para impedir um estupro é algo novo).

O maior problema do roteiro, porém, mora no fraco desenvolvimento dos personagens. Todos eles são tratados de forma esquemática, sem qualquer personalidade. Nem mesmo o já citado trauma do protagonista é abordado de maneira eficiente, aparecendo mais como uma mera curiosidade do que como algo para a plateia compreender melhor o agente Greer. Da mesma forma, as motivações do vilão não fazem sentido e alguns personagens – incluso o próprio protagonista – mudam de opinião sobre os Substitutos sem maiores explicações: de uma hora para outra, passam de usuários para críticos dos robôs.

Como consequência, os atores não têm muito material sobre o qual trabalhar, o que acaba limitando suas atuações. Willis, por exemplo, apresenta uma contradição interessante entre o Greer real e o Greer robótico, tanto na composição visual quanto forma de se mover e agir, mas jamais chega a construir um personagem interessante, com o qual o público é capaz de se identificar. O mesmo vale para Radha Mitchell, Rosamund Pike e James Cromwell, totalmente desperdiçados em seus papéis, e Ving Rhames, que apela para a caricatura, mas ao menos parece se divertir um pouco no papel do Profeta.

Apesar destes problemas, Jonathan Mostow é hábil ao manter o interesse da plateia até o final, mesmo após a estranheza dos primeiros minutos. Ainda que o roteiro deixe a desejar em diversos momentos, a história é contada em um ritmo interessante e as mudanças na trama acabam prendendo a atenção do espectador. Além disso, o diretor também cria algumas boas cenas, como a perseguição de Greer a um robô pelas ruas da cidade: não deixa de ser agradável ver um cineasta voltar a filmar uma cena de ação de maneira mais tradicional, sem os exageros de um Michael Bay ou a câmera nervosa de Paul Greengrass.

No geral, Substitutos é um filme de ação eficaz, com uma história que garante a atenção, mesmo que não faça muito sentido quando se pensa sobre ela. O roteiro apresenta alguns temas interessantes e Mostow é um diretor de certa habilidade, mas faltou ousadia para ir a fundo nas questões que levanta. Mais uma boa ideia que se transformou em apenas um produto do cinema americano.

Comentários (0)

Faça login para comentar.