Saltar para o conteúdo

Críticas

Cineplayers

Sem graça e por vezes irritante, filme se torna outro exemplar de comédia romântica descartável.

1,0

Um dos segmentos menos interessantes no longa Paris, Te Amo, filme de 2006, é o de Richard LeGravenese, intitulado Pigalle. No curta-metragem o diretor apresenta um homem e uma mulher que subitamente iniciam uma conversa em um bar, e em poucos segundos estão se beijando. Logo se revela que na realidade eles já formavam um casal, e estavam apenas saindo da rotina de seu relacionamento. É dessa forma nada original que Surpresas do Amor começa, com o ogro Vince Vaugh paquerando Reese Witherspoon, em uma das mais tediosas cenas com que já se iniciou uma comédia romântica. 

Surpresas do Coração, originalmente Four Christmases (Quatro Natais, em tradução literal), é um dos casos curiosos onde pode se perceber a forma com que um filme é distribuído em determinado país. Lançado nos cinemas americanos poucos dias antes do feriado natalino, o filme foi disfarçado para que chegasse aos nossos cinemas como apenas outra comédia romântica. A equipe responsável pela divulgação do longa retirou do cartaz original menções ao natal (alguns presentes e uma fita que envolvia os protagonistas) e alterou o nome seguindo alguma cartilha de distribuição para filmes desse gênero, que deve ter um artigo que diz algo como “filmes de comédia romântica sem a palavra amor ou coração no título não geram bilheteria”.

Como se assistir a um filme natalino em janeiro já não fosse suficientemente desinteressante, a produção em si é composta por uma sucessão de erros que apenas aumenta a impressão de que ter ficado em casa seria um programa melhor. O filme apresenta um casal que opta por passar os feriados de fim de ano bem longe de suas famílias, e para isso sempre possuem alguma desculpa altruísta engatilhada: trabalhos voluntários em países pobres, por exemplo. A verdade é que desde que estão juntos viajam para alguma ilha isolada onde podem esquecer suas famílias nos últimos feriados do ano. A intenção de ambos é impossibilitada quando uma neblina densa causa o cancelamento de todos os vôos programados, e eles acabam tendo que enfrentar o natal na cidade ao lado de seus pais: todos divorciados, o que totaliza quatro casas diferentes para visitar.

Ver Reese Witherspoon ao lado de Vince Vaughn causa certo estranhamento, e isso se percebe já no cartaz do filme: ele é extremamente alto e truculento, enquanto ela possui feições muito delicadas - sem levar em consideração seu queixo bastante proeminente, claro - e é muito pequena. Mas isso desaparece com facilidade no filme, pois com o desenrolar da trama os dois conseguem efetivamente parecer um casal. O que é gritante mesmo é a atuação de ambos. Witherspoon, vencedora do Oscar em Johnny e June, perderia facilmente seu prêmio caso existisse alguma regra da Academia que retirasse o carequinha de um ator que fizesse um trabalho medíocre. E assim também pode ser classificada a caracterização de Vaughn, que mesmo quando parece interpretar a si mesmo (em filmes como Separados Pelo Casamento, por exemplo) convence como ator, o que não acontece aqui. Em Surpresas do Amor o que se percebe é que a motivação de todo o elenco foi apenas seus respectivos salários, até por nada mais no filme justificar os US$ 80 milhões gastos em sua produção.

Ainda no elenco, surpreende a escalação de coadjuvantes: Robert Duvall, Mary Steenburgen, Sissy Spacek e Jon Voight, todos vencedores do Oscar, e todos absolutamente mal aproveitados. O filme ainda descarta a participação de Jon Favreau, diretor de Homem de Ferro, mas tem ao menos alguém interessante: Kristin Chenoweth, atriz da série televisiva Pushing Daisies, que realmente tem um ‘q’ de Reese Witherspoon, e funciona como a irmã de Kate. 

Enquanto o elenco parece não fazer esforço algum para tornar a produção mais digna de ser conferida, a direção de Seth Gordon, que até então havia dirigido o elogiado documentário The King of Kong, não faz nada para ser percebida em momento algum do filme. Na direção de atores então, Gordon demonstra não possuir talento algum. Com o roteiro fragmentado entre as desventuras do casal nas casas de cada pai, Gordon ainda insiste em dar ênfase a piadas sem graça e ao humor escatológico que a comédia poderia ter descartado. Se não se ri quando uma criança vomita na protagonista e o personagem de Vaughn simula que irá vomitar também, o que acontece duas vezes, como rir quando uma criança coloca um teste de gravidez recém utilizado na boca? Coisas como essa é que fazem com que espectadores mais exigentes sintam vergonha alheia dos envolvidos na criação e desenvolvimento de Surpresas do Amor.

Voltando ao título nacional, ao final de Surpresas do Amor se pode fazer outra constatação desfavorável ao que se acabou de ver: o filme não reserva nenhuma surpresa. Apenas um amontoado de clichês já tão utilizados no cinema do gênero, e tão gastos, que a produção deveria ser intitulada “Déjà Vu do Amor”, ou algo assim. Surpresa mesmo acaba sendo a do espectador que, esperando no mínimo uma distração por hora e meia, percebe que teve na realidade uma sessão de tortura intelectual e ainda pagou por isso.

Comentários (0)

Faça login para comentar.