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Críticas

Cineplayers

A lembrança de um filme melhor.

3,5
Em determinado momento de T2 Trainspotting, Ewan McGregor, como Mark Renton, adapta o monólogo de abertura do filme original, Trainspotting, recitado por seu personagem quando este ainda era mais frequentemente chamado de Rent Boy. Assim, insere no icônico “escolha vida, escolha um emprego, etc.”, algumas referências a redes sociais, celulares e coisas do tipo. Essa cena soa como uma tentativa de validar T2 Trainspotting como uma continuação relevante e necessária, que atualiza as críticas mais interessantes feitas pelo primeiro filme. Infelizmente, o novo filme não é nada disso.

T2 Trainspotting encontra seus personagens duas décadas depois de Rent Boy trair seus amigos e fugir com 12 mil libras, deixando 4 mil dólares para o doce Spud/Murphy (Ewen Bremmer). Divorciado, Renton volta de Amsterdã para um tipo de acerto de contas com seu antigo melhor amigo Simon/Sick Boy (Jonny Lee Miller), que ainda guarda rancor pela traição. Enquanto isso, Begbie (Robert Carlyle) foge da prisão e tenta recuperar a vida que levava antes de ser preso.

A continuação eventualmente confronta os personagens com cenas do filme original. Em um momento, o mais bonito do filme, Spud sai a uma rua de Edimburgo, e sua imagem é sobreposta à imagem da mesma rua, vinte anos antes. Spud contempla, paralisado pela nostalgia, a textura agora granulada da rua ao seu redor, enquanto ele mesmo, mais jovem, atravessa-a com seus amigos.

A nostalgia do filme não é por si só um problema — como essa cena mostra, em sua beleza e força. O que acontece, no entanto, é que T2 Trainspotting não tem mais nada a oferecer além da nostalgia. As rimas visuais ou referências ao primeiro filme são usadas em excesso como âncoras para um texto fraco e uma direção desastrosa. Quando se afasta do primeiro filme, T2 parece não ter nenhuma unidade narrativa ou estética, alternando a esmo entre personagens e cenas e às vezes sacrificando muito do que o filme original tinha de interessante.

Begbie, por exemplo, era um personagem sádico, perigoso, dotado de um senso de humor absurdo e repulsivo que, sempre que vinha à tona, apontava para o risco imenso que ele representava para os outros personagens. Aqui, ele é um alívio cômico que pouco têm a acrescentar aos outros três. A sua falta de relevância para o filme é tamanha que o personagem só se junta aos outros na última parte do filme como um vilão macarrônico que os persegue em uma desnecessária corrida de gato e rato.

O problema com Begbie não denuncia só falhas na construção de um personagem, mas a fragilidade narrativa do filme todo, que é incapaz de se sustentar sozinho, longe da lembrança afetuosa e nostálgica pela obra original. Isso passa por cada aspecto do filme, mas principalmente pela direção de Boyle, perdida nos maneirismos visuais que vêm se intensificando nos seus filmes há pelo menos dez anos. Neste ponto é preciso ser claro: o problema de Boyle não é o excesso de cortes e a montagem afetada ou que ele, como já ouvi, “parece dirigir uma propaganda de gatorade”, mas como esses traços do diretor se chocam contra o filme, formando um obstáculo a sua unidade estética e restando assim apenas como traços autorais fora de lugar, estranhamente forçados a um produto.

T2 Trainspotting é o filme fragilizado que resulta desse Boyle difuso. O curioso é que ele poderia até se safar como um filme mediano, se não fosse a constante inserção da obra anterior. Às custas de si mesmo, T2 Trainspotting redescobre a força do filme — e do livro — original. Porque Trainspotting, no fim das contas, não é apenas uma sombra que persegue personagens presos ao próprio passado, mas a lembrança constante de um filme melhor, de um diretor no domínio de sua obra e da mediocricidade de seu sucessor. Resta ao segundo filme manter viva a boa lembrança do primeiro. Já é alguma coisa, pelo menos.

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