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Críticas

Cineplayers

O cinema como o dispositivo humano.

8,5

O homem é uma prisão no próprio avatar que criou: é assim que Taboor (idem, 2012) começa, em seu diálogo com o cinema de gênero, onde um homem com hiper-sensibilidade aos raios ultravioletas cobriu todas as paredes de sua casa de alumínio e por baixo de todas as roupas, usa um macacão do mesmo material para poder proteger seu corpo enquanto trabalha à noite como exterminador de baratas. Mas nem isso funciona, já que a temperatura do seu sangue continua a aumentar e, pouco a pouco, corre o risco de começar a ferver de dentro para fora.

Tido como um exemplar de um “cinema fantástico iraniano”, esse contato com a ficção científica reside mais no absurdo de uma situação do que propriamente pelo fantástico da situação: Taboor é um filme essencialmente contemplativo, onde seu protagonista observa a decadência ao seu redor: como os objetos inventados pelo homem são falhos e uma hora ou outra deixam de funcionar, como os homens são mortais, sempre a um instante da morte, como mesmo insetos já apresentam uma perspectiva tão diferente de mundo que não conseguimos nos inserir.

Pois Taboor lida com essa projeção que o homem faz de si mesmo sobre o ambiente, a intervenção sobre fenômenos naturais e como bem mostra uma cena onde o protagonista se entretém com um simulador 5D, a criação, a reprodução e percepções específicas que o homem faz do ambiente ao qual pertence sem muitas vezes necessariamente interagir. Tal absurdo do filme é uma preocupação impressa em cada cena, tanto quanto o protagonista quebra lentamente uma parede infestada com um ninho, quanto o momento em que se consulta com um estranho terapeuta, com métodos mais estranhos ainda para induzir fantasias em seus pacientes. Essa tônica é levada tanto com certa atmosfera hermética, que sempre se recusa a dar explicações ou justificar, quanto com uma certa comicidade baseada na estranheza, devida à contemplação de espaços e humanos disformes  e as estratégias desenvolvidas para eles para lutarem contra suas próprias limitações e seu próprio ambiente.
 
O diretor Vahid Vakilifar filma longas sequências com pouquíssimos cortes que capturam pequenos rituais e o trabalho exaustivo, acompanhando a rotina do protagonista durante todo o seu trajeto, sem diálogos – estes deixados para a voz de narração, que comenta e amplifica o que se vê em imagem, nos tirando a perspectiva antropocêntrica e a reinserindo dentro de um processo orgânico vivo onde o protagonista lentamente vê o controle fugir das suas mãos – nós, humanos, enquanto parte da natureza, não somos maiores que ela e ela é impassível. Podemos modificá-la, mas somos modificados pela mesma o tempo todo e ela prossegue indiferente aos nossos estados emocionais e íntimos: a noite continua caindo, o dia continua se levantando, objetos de metal continuam quebrando, organismos vivos continuam morrendo.

Portanto, não há nenhuma incoerência em dizer que Vahid dialoga facilmente com outros autores como Abbas Kiarostami, Jafar Panahi e Mohsen Makhmalbaf e o realismo objetivo, híbrido de ficção com documentário, onde a criação, inventada, interage com o espontâneo, o incontrolável, o real. Pelo controle da misé-en-scene, Taboor nos obriga a olhar, a caminhar pelas ruas, a ver nossa criação decaindo para então se transformar no que não conhecemos. A desolação da entropia cria um filme escuro, contrastado, de aparência suja e industrial, mas ao mesmo tempo abre as portas para o cinema libertar seu personagem, ver sua criação e intervenção apenas como uma parte, ver sua condição como parte de um processo, convidando o espectador para dissolver barreiras entre narração e drama e observação e tempo. A câmera liberta do conflito; a câmera devolve a condição de registro; a câmera produz a imagem efêmera, que irá se acabar dali a pouco, mas que no meio do caminho transformou uma concepção. E Taboor é antes de mais nada um reflexo, justamente, do processo cinematográfico e suas relações ambíguas com criação e vida.

Comentários (1)

Francisco Bandeira | segunda-feira, 11 de Novembro de 2013 - 02:15

Suas críticas são muito boas, Brum! Estou esperando ansioso ainda pela do Cassavão!

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