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Críticas

Cineplayers

Quando a plasticidade visual não é o suficiente.

4,5
Histórias sobre originários de terras não descobertas sempre estabeleceram uma repercussão positiva na indústria artística: desde as pinturas coloniais impostas com clássicas epopeias sobre o Novo Mundo, até os contos britânicos baratos sobre a não explorada África, em meados do século XIX, o ser hábil percorre por estes meios, e no cinema não foi diferente. Uma grande parcela da gênese cinematográfica foi moldada com filmes temáticos falando a respeito de nativos ou personagens criados nestes ambientes, que sempre fizeram e farão parte da mente coletiva vigente, como Tarzan, Pocahontas, Mogli etc, ou sobre o comportamento pejorativo apresentados por estes povos em Faroestes.

Esta construção vigora até hoje. É recorrente vermos em cartaz longas sobre colonização, como o maior sucesso de bilheteria da história Avatar (idem, 2009), ou projeções mais oníricas como o candidato ao Oscar de Filme Estrangeiro deste ano O Abraço da Serpente (El Abrazo de la Serpiente, 2015); porém, diferente destes filmes onde o conflito é exclusivamente externo, Tanna (idem, 2016) surge com uma leitura interna, ainda que explore temas diversificados. Falado inteiramente em Nauvhal, a metragem conta a história de Wawa, uma garota de uma tribo chamada Yakel que, segundo a cultura de seu povo, chegou na idade de virar mulher e se casar. O xamã de sua tribo, para fazer as pazes com o clã inimigo, oferece a jovem como esposa para algum garanhão. Entretanto, a moça está apaixonada por Dain, herdeiro do poder dos Yakel, e eles resolvem fugir e encarar altas aventuras na ilha remota do Pacífico.

Dirigido pelos australianos Martin Butler e Bentley Dean, que certamente tiveram uma epifania e visualizaram uma possível vaga ao Oscar (e realmente foi o escolhido da Austrália para concorrer) com um estereótipo de produto elaborado para a premiação, de estilo bastante formulaico e sem personalidade, contudo, diferente de longas periódicos deste padrão, Tanna eleva-se ao nada, ao impacto narrativo que uma comédia romântica baseada num livro de Nicholas Sparks tem. Ao perceber que um filme tem o objetivo de tecer crônicas sobre diversidade cultural, o senso de exposição ao ridículo e vergonha alheia em cima da película situa-se extremamente aguçada, afunilando a pestilência crítica; a imparcialidade transforma-se em boato, pois, com exatos 100 anos de filmes abordando temas parecidos, o cansaço é certeiro e, mesmo que não tenha assistido tudo, a inspiração é reservada para o popular; não só no roteiro – que neste caso é um Romeu e Julieta do mais praxe -, mas também na linguagem. A fotografia é a mais quadrada possível, em alguns momentos se assemelha a sitcoms americanas, que serve, a grosso modo, apenas para iluminar o ambiente, porém, em perspectiva à sustentar um plano retilíneo, a plasticidade visual prolifera, mesmo que em um curto período de tempo, e se extrai belas imagens destes instantes. 

Não há dinâmica cenográfica ou veracidade entre atores, estes que são, em sua totalidade, amadores, e cortes desnecessários assoma em uma quantidade descomunal, fazendo com que a imersão se torne algo inexistente no contexto narrativo. Regado por um roteiro aderente, porém seco pela previsibilidade ingênua de escritores debutantes, o enredo, certamente, no papel funcionaria melhor. A maneira que foi executada é, possivelmente, uma insatisfação do pequeno orçamento, e fez com que a ideia de criar algo tão formoso e elegante, tal como exemplos obrigatoriamente louváveis à natureza cinéfila, fosse por água abaixo.

Assim como qualquer filme que utilize uma fórmula preestabelecida por um mosaico de ideias recicladas de outros conceitos, a mensagem de conclusão há de passar uma moralidade superficial e, restritamente, óbvia. Como aqui, o amor impossível é, exclusivamente, um adjetivo para a essência da prosa, a única forma de expor um sermão é retornar a levantamentos sociais e contrariar os princípios do conservadorismo retratado na tribo. Embora não fique aberto para uma pluralidade de interpretações, a reflexão progressista, pelo menos sobre o amor, ergue-se no ecrã – caracterizando isso, e cenas de prazer visual envolvendo vulcão, como os elementos proveitosos dessa experiência.

Visto na 40ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo

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