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Críticas

Cineplayers

A volta de Coppola aos roteiros traz para as telas um drama autoreferente que não o ajuda a recuperar o posto de mestre.

6,0

Depois de um longo período de adaptações, Francis Ford Coppola retoma a função de roteirista em Tetro, seu último longa. Sempre lembrado por clássicos como O Poderoso Chefão (The Godfather, 1972) e Apocalypse Now (idem, 1979), seus novos projetos são sempre aguardados com entusiasmo pela legião de fãs que sonha reviver os melhores dias do cineasta.

Envolvido pela aura de mestre, desta vez Coppola passa ao largo da genialidade, deixando espaço para o belo trabalho do fotógrafo romeno Mihai Malaimare Jr., com quem já havia trabalhado em Velha Juventude (Youth Without Youth, 2007) cuja fotografia foi premiada no Independent Spirit Award de 2008.

Já no prólogo, Tetro deixa ver o preciosismo da composição dos quadros e a bela composição de luz e sombras, nos remetendo ao universo do protagonista que atua profissionalmente como iluminador teatral e ao mesmo tempo mantém uma relação traumática com focos de luz. A importância disto para Tetro (Vincent Gallo) chega mesmo a ser verbalizada numa de suas inúmeras discussões com o irmão intruso, Bennie (Alden Ehrenreich)

Tetro pede um tempo da família pleiteando um ano sabático para dedicar-se à escritura de sua “grande” obra e escondendo sob as oscilações de humor um talento irreconhecido aliado ao sofrimento de saber-se um escritor frustrado. A peça inacabada que o levará a um período manicomial remonta o passado de sua relação com o pai, o maestro Carlo Tetroccini (Klaus Maria Brandauer), e os motivos de seu rompimento com a família. Segundo o próprio diretor, as tramas centrais deste enredo foram inspiradas em experiências pessoais: a relação de admiração que ele nutria pelo irmão mais velho – que faz lembrar outro trabalho seu, O Selvagem da Motocicleta (Rumble Fish, 1983) - e a luta de egos entre seu pai e seu tio, ambos compositores.

A trama começa com a chegada do irmão caçula dos Tetroccini, Bennie, numa visita agendada mas inconveniente ao irmão mais velho, de quem recebe logo de cara uma grande indiferença contrabalançada pela doçura da cunhada Miranda (Maribel Verdú), que acaba incentivando a permanência do garoto entre o casal. Em busca de respostas sobre seu passado e o desaparecimento de Tetro, Bennie o forçará a retornar ao passado, entre boas e más lembranças que embalarão todos os conflitos da história.

Amenizando o tom dramático da histórinha do gênio incompreendido, a trupe teatral que circunda o casal Miranda-Tetro figura nas cenas de respiro, com destaque para o bom desempenho de Rodrigo de La Serna e Leticia Brédice, dando o tom portenho à narrativa.

Tetro, filmado em preto e branco, parece esterilizar Buenos Aires, transformado-a na lembrança de uma cidade qualquer do interior da Europa cujas raízes sejam latinas. Não fosse a citação nominal da cidade ou a presença marcante do sotaque portenho de La Serna, duvidaríamos muito de que  Argentina tivesse servido de palco para esta história.

Outra questão importante deixada meio às soltas é o tempo no qual transcorre a ação. Ainda que o os flashbacks surjam marcadamente coloridos, logo de início é possível apostar que a trama se passe nos anos 1950, não fossem os ônibus de linha argentinos acusadores de um tempo sem tempo, mas não tão distante assim. Talvez a ideia do diretor tenha sido mesmo a de provocar essa ambiguidade temporal, num jogo que casa muito bem com a centralidade de anseios por reconhecimento artístico já bastante demodés - vide a cena de um pomposo velório, riquíssimo em termos de direção de arte,  mas bastante descabido diante da importância do defunto.

A grande decepção em Tetro é a defasagem entre a beleza das imagens compostas por Coppola e Malaimare e o desenvolvimento da trama, que transcorre baseada em algumas forçações dramáticas. Quem mais sofre com isso é Vincent Gallo, fadado à canastrice de um personagem que mistura os já massacrados problemas da genialidade incompreendida com uma postura de motoqueiro sem moto, cuja única verdade parece guardada na jaqueta de couro que o protege do frio da Patagônia.

Aos fãs de Coppola resta o eterno retorno aos clássicos.

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